Por Claudio Fernandes
Sessenta e nove anos após o tiro que mudou a história do Brasil, ainda há muitas perguntas a serem feitas sobre a atitude que resolveu tomar o então presidente da república Getúlio Vargas. Ao tirar a própria vida naquela manhã de 24 de agosto de 1954, Vargas pôs fim a praticamente 19 anos à frente do executivo nacional. Até os dias de hoje, ninguém ficou tanto tempo no cargo na nossa ainda curta Era Republicana.
À época comandada por Carlos Lacerda, a Tribuna da Imprensa, inegavelmente, teve papel preponderante não na morte de Getúlio, mas na instalação da crise política. A série de matérias sobre o “Mar de Lama” abalou definitivamente a estabilidade do governo Vargas. Desse modo, a saída do político gaúcho no Palácio do Catete parecia irreversível.
A crise virou caos no atentado da Rua Toneleiro, em cinco de agosto, quando houve a tentativa de assassinato de Lacerda por parte de memnros da guarda pessoal de Vargas. Dezenove dias depois, acabou em tragédia.
Para trazer luz a todo o processo que culminou com o tiro fatal, a Tribuna da Imprensa ouviu com exclusividade o escritor Lucas Berlanza, autor do livro “Lacerda: A Virtude da Polêmica”, biografia do jornalista e político.
Confira abaixo.
O momento histórico e a participação de Lacerda
O Carlos Lacerda costuma ser acusado de ser o assassino do Getúlio Vargas. Inclusive o Nelson Rodrigues chegou a escrever uma crônica em que ele dizia que Lacerda passou a ser visto como o assassino de um suicida.
Evidentemente o Lacerda não tem absolutamente nada a ver com a decisão pessoal do Getúlio de acabar com a própria vida e se tornar, ou tentar se tornar, uma espécie de mártir para os seus seguidores, garantindo a continuidade da sua casta política no poder.
Mas é fato que a figura do Lacerda foi decisiva no processo porque o que levou o governo Getúlio Vargas a sua crise definitiva foi a tentativa de matar o Lacerda no famoso atentado da Rua Tonelero. Lacerda foi vitimado por uma orquestração proveniente da guarda pessoal do Getúlio, que era uma guarda ilegal. Tinha sido remontada pelo ex-ditador. Ela existia na época da ditadura do Estado Novo e ele, ilegalmente, remontou no seu governo eleito, da década de 1950. Especificamente o Gregório Fortunato, que era chamado de Anjo Negro, o líder dessa guarda, que comandou o atentado contra o Lacerda que vitimou o Major Rubens Vaz e deixou o Lacerda ferido.
Isso em função, naturalmente, da liderança que o Lacerda tinha como oposicionista do governo Vargas. É importante se ressaltar, sobretudo em se tratando da Tribuna da Imprensa, que era feito exclusivamente no campo jornalístico. Lacerda não tinha mandato. Era o editor e proprietário de um jornal. E ele usava, tanto esse veículo que ele dispunha quanto o espaço que lhe era dado na mídia em geral, na televisão, no rádio, por outros veículos, outros jornais, para alvejar brilhantemente os escândalos do governo Vargas, criticar os excessos intervencionistas e denunciar o que ele chamava de “Mar de Lama”. Por isso o Lacerda foi vítima desse atentado.
Como uma figura da aeronáutica, o Major Rubens Vaz, acabou falecendo em virtude disso, gerou-se uma profunda insatisfação nas Forças Armadas numa época da história do Brasil em que é preciso reconhecer que as nossas instituições políticas eram bastante frágeis e as Forças Armadas tinham um peso decisivo no processo político.
Então gerou-se uma grande reação nas Forças Armadas, principalmente na Aeronáutica, que já tinha como uma das suas principais figuras o brigadeiro Eduardo Gomes, patrono da força aérea, que foi candidato à presidência logo após o fim do Estado Novo. Então gerou-se uma profunda insatisfação na Aeronáutica, nas Forças Armadas, com direito a pressão para que Vargas renunciasse. Tudo isso apimentado pelo atentado de Tonelero. Então eu diria que esse foi o impacto do Lacerda no acontecimento.
Repercussão para a Tribuna da Imprensa e revolta popular
A Tribuna da Imprensa tentou cobrir o acontecimento como faria com qualquer evento noticioso que interessa a qualquer veículo jornalístico. Acontece que o jornal era muito vinculado ao seu proprietário Carlos Lacerda e a seus editoriais na página quatro e, se havia movimentação até nas ruas contra o governo Vargas durante aqueles dias que se sucederam ao atentado apimentando a crise que levou ao suicídio do Getúlio, depois acontece uma inversão disso e passamos a ter manifestações saudosistas em relação ao ex-ditador suicidado.
E essas manifestações incluem apedrejamento, vandalismo, agressão contra as instalações contra as instalações dos veículos que lhe faziam oposição. E esse foi o caso da Tribuna da Imprensa. Também foi atacada por populares, por mobilizações que defenderam a figura do ex-presidente Getúlio Vargas.
A reação de Lacerda
Lacerda não imaginava que Getúlio cometeria suicídio. Inclusive ele relata em um depoimento que deu pouco antes de falecer, sobre sua trajetória e vida pública e pensamento acerca do Brasil. Ele relata que quando soube do ocorrido, e isso ajuda a afastar a imagem falsa que se tem do Lacerda como homem rancoroso e odioso, ele foi à igreja rezar pela alma do Getúlio Vargas. Ele se comoveu com o acontecimento. E relata que muitas figuras da UDN sentiram – e de fato aconteceu – como se Getúlio tivesse jogado água no chopp deles.
Estavam contando com uma vitória política e acabaram sofrendo uma reviravolta com o suicídio, que o transformou em um mártir, um ídolo que teria sido metaforicamente imolado pelos seus inimigos e os inimigos do povo. Com isso o discurso se virou contra a UDN. A maré, a atmosfera política se alterou completamente.
O Lacerda ficou bastante consternado com esse desfecho. Já se pôs, logo após a divulgação da carta-testamento, a combater a atitude que parte da imprensa estava tomando, de divulgar aquela carta narrada com música épica de fundo, como que a emocionar o público e “revoltá-lo e indigná-lo contra as forças reacionárias que mataram o grande pai dos pobres”.
Ele já estava vendo nisso uma grande exploração política sobre um povo traumatizado com os incidentes ocorridos. Então o Lacerda começou a combater essa exploração midiática da carta-testamento do Getúlio.
Mas, por fim, o que se pode dizer é que a despeito dessa inversão de maré política, a despeito da mobilização popular contra a Tribuna, a despeito da consternação que a UDN sofreu, o próprio Lacerda acabou sendo eleito naquele contexto como deputado pela primeira vez. Então politicamente ele manteve em seu entorno um segmento de opinião que foi o bastante para elegê-lo.
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