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segunda-feira, 13 jan, 2025

Raquel Machado: Prazer, sua depressão

Por Raquel Machado*

 

Eu sei que nunca fomos apresentadas formalmente, sei também que sou aquela visita chata que ninguém quer por perto, mas não me olhe com tanto asco assim, por favor. Pretendo, através desta carta aberta, te dizer umas coisas e espero que te ajude. Quando entramos em setembro eu sempre o sinto amarelo, sei que nesses meses você pensa mais em mim.

Eu não quero te fazer mal, esse nunca foi meu objetivo. Não quero que deixe de ver cor ou sentido  na sua vida e nem pare de fazer o que você ama, não pra sempre. Não gostaria que se sentisse paralisada e nem que seus filhos sofressem com isso. Meu intuito não é te destruir, é te devolver à  vida.

Sinceramente, quando você chega a me notar é porque não ouviu mais ninguém antes de mim. Nem seu corpo quando ele começou a coçar (tentando te mostrar que seus limites foram ultrapassados e você se sentiu invadida). Nem quando o ar faltou em seus pulmões (tentando te avisar do quanto você tem dores não resolvidas).

Nem quando o sono te abandonou (querendo te fazer ver o quanto sua mente está no futuro se esforçando pra controlar coisas incontroláveis) e muito menos quando o coração quase explodiu (implorando que parasse e olhasse pra você).

Eu sou a sua melhor chance de ver.

Ver o quê? Deve estar se perguntando.

Ver a si mesma. Nua, crua, sem limites, padrões, máscaras ou sorrisos sustentados. Ver a sua sombra perambulando pelas esquinas da sua vida. Ver a sua história escrita com luz e trevas.

Ver todos os sorrisos sinceros, os abraços de amor, os incentivos aos sonhos, o colo e a força dos seus ancestrais, mas ver também suas dores, seus traumas, seus abandonos, suas rejeições, o abuso, a palavra mal dita que não sai da sua cabeça.

Eu sou a balança, o chicote e o convite à consciência.

Eu bato na sua porta como tristeza, mas uma que não vai embora rápido, como eu já te disse, eu sou aquela visita chata. Vou ficando, incomodando e  torcendo que você me note, caso eu não consiga, vou aumentando a minha força até que eu não seja só uma emoção, mas me torne um sentimento. E se mesmo assim não for o suficiente, eu cresço mais e me transformo em melancolia.

Nesse momento eu já dominei o seu humor. Significa que você não verá mais graça nas coisas. Que a tristeza, o desgosto, a inibição e a angústia tomarão conta de ti.

E se me negar; eu grito, cresço, intensifico, distorço e causo mais dor! Aprodreço e caímos juntas…

A minha esperança é que a dor te faça parar e me ouvir para que eu possa falar. Falar que seus traumas e crenças limitantes te fizeram tomar caminhos ruins ou andar neles de forma ruim.

Que você precisa deixar a vergonha de se ver por inteira, abraçar seu lado bom e seu lado desagradável, que precisa agradecer pelo certo, perdoar o que entende como errado, deixar pra trás as bolas de ferro das acusações, as correntes do vitimismo, os chicotes da culpa e abrir a porta da gaiola na qual condena sua consciência.

Quero falar que ainda pode descobrir quem é essa mulher poderosa e viver o seu propósito, que se perdeu há muito tempo aí dentro.

Que pode entender porque acha que não merece as coisas boas da vida ou que a leveza e a satisfação não são pra você.

Quero te mostrar que é possível preencher as lacunas e o vazio existencial com as experiências que entenderá que precisa, que dá pra entrar na caverna escura do seu inconsciente pra avaliar ou reavaliar o processo sempre que necessário, e que aprenda a sair dela com a mesma velocidade que entra.

Eu sou a sombra que faz você conseguir focar no ponto de luz.

 

*Raquel Machado é Psicanalista, mãe do Felipe e escritora nas horas vagas.Palestrante, Ma. em Neurociência, Analista Didata e uma entusiasta do comportamento humano

 

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