Reconhecida por Lei Federal como Capital Nacional da Ovelha, Sant’Ana do Livramento cria estratégias para ultrapassar gargalos regionais
Uma inciativa do Ministério da Integração Nacional, o Programa Rota do Cordeiro tem como objetivo apoiar a atividade de produção de carne de cordeiros e cabritos para amplo consumo no Brasil, além de dinamizar a cadeia produtiva do segmento, que envolve: beneficiamento da carne, frigorificação, distribuição, comércio, gastronomia, entre outras atividades. O programa, que conta com o apoio da Embrapa Caprinos e Ovinos, além de diversos parceiros regionais e nacionais, compõe uma das 13 rotas de integração nacional, com 15 polos que agregam 227 municípios em todo o território nacional.
O Estado do Rio de Grande Sul, reconhecido pela qualidade da sua proteína animal, concentra dois desses polos: a Fronteira Oeste, com sede em Sant’Ana do Livramento, com abrangência em mais de 13 municípios; e o Alto Camaquã, que reúne 7 municípios e tem como sede a cidade de Bagé.
Apesar do seu grande potencial, a Rota do Cordeiro precisa passar por uma reestruturação, para que cumpra o seu papel como atividade fomentadora de desenvolvimento local e de integração regional. Na última semana, o Sindicato Rural de Livramento se reuniu com profissionais importantes no setor de produção de carne de cordeiros e cabritos, para abordar os principais gargalos que impedem o desenvolvimento da atividade na região.
Entre os participantes estavam o consultor técnico do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional do Brasil, Daniel Benitez; o Secretário de Agricultura de Livramento, Edu Gutebier; os representantes da Comissão de Ovinos do Sindicato Rural, Leonardo Viecelli e Wilson Barboza; além do presidente e do vice-presidente da Rural, Luis Carlos D’Áuria e Jair Menezes, respectivamente.
Na pauta da reunião estava o mercado de San’Atana do Livramento, que é considerada a Capital Nacional da Ovelha. Em entrevista ao jornal A Plateia, Daniel Benitez fez um inventário das dificuldades enfrentadas pelo município para o fomento da atividade, além de propor ações para posicionar o Polo Fronteira Oeste como o mais importante da Rota do Cordeiro em todo o Brasil, com Livramento como o epicentro do mercado nacional, uma vez que a sua importância foi reconhecida por Lei Federal.
À Plateia, Daniel Benitez destacou que o atual momento deve ser aproveitado pelos municípios sulistas que compõem a Rota do Cordeiro, especialmente Livramento, uma vez que a região do Pampa gaúcho reúne todas as condições para o desenvolvimento da vocação ovelheira, com geração de uma carne de alta qualidade não só para exportação, mas também para consumo nacional. Para isso, o engenheiro destaca ser necessária a estruturação de todo o ciclo de produção até o consumidor final, que, muitas vezes, desconhece a existência da carne de cordeiro.
“Se fala muito que esta é a região menos desenvolvida do Rio Grande do Sul, e nós temos ‘anéis de ouro e colar de diamante no pescoço’. Explico. Temos um diamante branco que se chama ovino, que em outras regiões do país não têm a mesma qualidade. Nós temos conhecimento, tradição, capacidade para produzir com grandes diferenças do resto do país. Nós temos aqui, em Livramento, por exemplo, uma área de preservação ambiental federal, a única em nível estadual, que é uma característica diferenciada da carne, produzida com sustentabilidade”, disse o engenheiro ao veículo.
Para que Livramento assuma o seu papel de centralidade, Daniel Benitez destacou que os produtores devem conhecer o produto “carne de cordeiro”, o que não está restrito somente à retirada da carne de um animal morto. O desconhecimento do perfil do consumidor, também foi citado por Benitez como uma das dificuldades a serem ultrapassadas na consolidação desse mercado.
“Nós temos que nos conscientizar que temos um produto nobríssimo, chamado carne de cordeiro. Produzir carne não é tirar carne de um animal morto, mas saber que produto nós queremos. Quais são as características desse produto e, principalmente, o que consumidor quer? E por que ele não consome o nosso produto? Tendo essas respostas, podemos partir para uma campanha de educação gastronômica, como forma de tirar muito preconceito gerado pelo desconhecimento da grande maioria dos consumidores sobre o produto carne de cordeiro”, observou o engenheiro agrônomo.
Daniel Benitez destacou ainda que, para gerar carne de qualidade, é necessário ultrapassar o conceito de “animal” através da aplicação de técnicas de melhoramento genético e manejos específicos. O que permite, assim, a criação de um “biotipo” de altíssima qualidade, voltado para o consumo humano.
“Assim temos que trabalhar essa categoria. Criando, por exemplo, uma padronização dos animais, do cordeiro do Pampa, ou da fronteira como quiser chamar. Não estamos falando em uma raça específica, mas de um biotipo que terá o mesmo peso final e o mesmo acabamento inclusive. Ouvir o que o consumidor quer. Não podemos ofertar um produto que não terá o mesmo padrão”, explicou Binitez ao jornal.
Para Daniel Benitez, a revitalização da cadeia produtiva da fronteira deve ter como base uma visão cooperativista da ovinocultura, com foco no mercado consumidor nacional, que precisa não somente conhecer a carne de cordeiro, mas tê-la disponível para o consumo; não de forma gourmet, mas no cotidiano, especialmente os mais pobres.
“Ninguém mais avança sozinho, ou avançamos em conjunto, com um objetivo comum e com um esforço coletivo, ou não chegaremos a lugar nenhum mais uma vez. Nós temos um mercado de exportação pronto. Esse mercado se chama República Federativa do Brasil. Nós temos que exportar para nós mesmos, primeiro. Porque temos 225 milhões de pessoas, das quais 40 milhões não têm alimento. Mas 180 milhões têm poder de comprar carne, e nós temos que fazer esse produto chegar não como um produto gourmet, mas como um produto do dia a dia. Podemos, sim, agregar valor a determinados pratos e a determinados segmentos, mas que a carne de cordeiro não seja simplesmente o churrasco do fim de semana”, concluiu Benitez.
Quem é Daniel Benitez:
Graduado em engenharia-agrônoma, o uruguaio Daniel Benitez tem pós-graduação em produção animal pela Universidade de Pelotas e conta com grande experiência no melhoramento genético animal, tendo exercido funções de destaque na Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (ARCO), por quase duas décadas. Benitez foi ainda professor na cadeira de Ovinos e Caprinos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul; trabalhou na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), braço da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), em Roma (IT), durante 8 anos, como coordenador para América Latina e Caribe dos recursos genéticos animais.
Daniel Benitez trabalhou ainda na Empresa de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) do Nordeste, estruturando o programa de melhoramento genético de ovinos e caprinos. Atualmente, o engenheiro tem uma empresa de consultoria na área, que presta serviços para o Departamento de Agricultura do Reino Unido como coordenador das raças ovinas de corte na América Latina, desde o México até a Patagônia.
Brasil / Agro / Economia / Patricia Lima