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quarta-feira, 4 dez, 2024

Rio

Parque Realengo Susana Naspolini: uma resposta inventiva diante dos desafios ambientais

Vista aérea do Parque Realengo Susana Naspolini - Prefeitura do Rio
Vista aérea do Parque Realengo Susana Naspolini - Prefeitura do Rio

Estrutura do Mercado da Praça foi toda revitalizada por arquitetos para preservar tradições populares

Inaugurado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em junho deste ano, o Parque Realengo Susana Naspolini, foi concebido como um espaço público de lazer para influir no microclima da Zona Oeste. No local, foram plantadas 3,7 mil árvores e construído um lago artificial com capacidade para regular a chegada das chuvas à rede pluvial, reduzindo, assim, o risco de enchentes locais. O conceito adotado foi o de ‘‘parque esponja’’.

Com uma temperatura média acima dos 30ºC anuais, Realengo está localizado em uma espécie de vale entre os maciços da Pedra Branca e do Mendanha. Com a construção do parque, a Prefeitura espera impactar a regulação da temperatura, gerando uma maior sensação de conforto térmico para os moradores do bairro e adjacências, já que a Zona Oeste é uma das regiões mais áridas e pobres da cidade.

O Susana Naspolini ocupa metade do terreno onde funcionou, de 1898 a 1977, a antiga Fábrica de Cartuchos do Exército, cuja produção foi realocada para as suas unidades da Indústria Brasileira de Material Bélico (Imbel), deixando a edificação abandonada e vitimada por invasões.
O Exército chegou anunciar a construção de um condomínio com mais de 700 apartamentos no local, mas a Prefeitura do Rio interveio e negociou com o governo federal a cessão de parte do terreno para transformá-la em área de lazer.

O equipamento recebeu um investimento de R$ 72 milhões. No local, foram construídas cinco torres inspiradas no projeto do Gardens By The Bay, um parque de Cingapura, segundo o jornal O Globo. As estruturas com alturas entre 17 e 47 metros contam com um sistema de pulverizadores que aspergem vapor de água para refrescar o público.

No local, havia ainda a Praça do Mercado, cuja revitalização não constava no projeto original da Fundação Parques e Jardins (FPJ). Arquitetos que trabalharam no projeto propuseram à administração pública a incorporação do importante ponto de comércio popular nas obras, com vistas a incentivar a utilização do espaço e restabelecer a fonte de renda dos comerciantes locais.

A obra é considerada uma inovação em termos de uso, ao interligar as áreas comerciais às de lazer, através de estruturas de aço, que protegem a circulação de pessoas, reduzindo o impacto térmico, além de servir como elemento estético e funcional para o novo layout do parque.

Uma das arquitetas que participou do projeto destacou que a eliminação da Mercado da Praça, como manifestação popular, seria algo contrário à própria ideia do parque, por isso, os arquitetos decidiram apresentar uma proposta para o equipamento, integrando conceitos arquitetônicos e funcionais à sustentabilidade ambiental.

“O Mercado da Praça nos causou grande incômodo ao considerarmos a possibilidade de simplesmente remover toda aquela manifestação existente. Durante as visitas ao local, a equipe fez uma contagem estimada das lojas e planejou integrar dois importantes programas para o Parque Realengo: um pórtico de acesso e uma galeria comercial para reposicionar os vendedores,” contou o arquiteta Juliana Ayako.

Estrutura em ação do Mercado da Praça
Estrutura em ação do Mercado da Praça
Estrutura em ação do Mercado da Praça - Divulgação
Estrutura em ação do Mercado da Praça – Divulgação

A concepção da estrutura metálica permitiu a criação de um espaço comercial, funcional e adaptável. “A cobertura em pórtico foi desenvolvida com estrutura metálica, enquanto as lojas foram construídas com blocos de concreto estrutural. As construções, dispostas em formato de L, formam uma grande praça pública integrada ao espaço comercial”, explicou o arquiteto Francisco Rivas

Mirando os cuidados adotados pela Prefeitura quanto ao microclima da região, a estrutura em aço atendeu às várias demandas dos moradores do bairro. O sombreamento gerado pelo teto da construção, permite a realização de atividades populares, como rodas de samba, festas de aniversário, eventos, jogos de futebol ou momentos de descanso. No local, também foram disponibilizados um conjunto de sanitários públicos.

O uso da estrutura em aço, segundo a arquiteta Helena Meirelles, atendeu às exigências ambientais e de prazo da Prefeitura, para a entrega do Parque Realengo para a população.

“A estrutura metálica é extremamente funcional. Com o prazo curto estabelecido pela Prefeitura do Rio, nossa prioridade foi garantir simplicidade estrutural e estética. Em um projeto básico, sem a garantia de participação nas etapas posteriores, era essencial minimizar as complexidades. Considerar o tamanho das peças de fábrica e reduzir o manejo e corte foi crucial desde o início”, disse a arquiteta.

O arquiteto Carlos Zebulun, por sua vez, destacou que o projeto do Mercado permitiu que a população deixasse de adaptar áreas de lazer e equipamentos, como banheiros, para terem uma estrutura de qualidade, funcional e respeitosa quanto às suas necessidades.

“O projeto arquitetônico do Mercado da Praça foi uma resultante de atividades que já aconteciam no local. A criação de infraestruturas como sanitários públicos e áreas de lazer, que antes eram improvisadas pelos próprios moradores, agora proporciona maior conforto e qualidade de vida para todos,” comentou Zebulun

Leia abaixo a entrevista com o arquiteto Francisco Rivas sobre a importância do emprego do aço em construções simples e ambientalmente sustentáveis.

Tribuna da Imprensa: Qual foi a ideia inicial dos arquitetos para o parque?

Francisco Rivas: O primeiro pensamento diante de um projeto encomendado pela Prefeitura do Rio, com curto prazo de desenvolvimento, foi o de clareza estrutural e estética. Em um projeto básico, em que não existia a garantia de participação nas etapas posteriores, tanto de projeto executivo quanto de acompanhamento. Assim, era importante reduzir ao máximo as complexidades. A estrutura metálica se apresentou como algo muito funcional. Pensar o tamanho das peças de fábrica, a redução de manejo e corte das peças foi o ponto de partida para pensar a modulação. Com a grande preocupação de como o projeto final se pareceria, caso não estivéssemos presentes durante a execução. Pensar uma estrutura que já carregasse em si um caráter estético forte, foi também um importante fio condutor.

Tribuna: Como a arquitetura, por meio da utilização do aço, pode beneficiar a população, especialmente a que vive em áreas mais vulneráveis?

F.R.: Acho que, nesse caso, a gente pode reduzir a escala e fazer uma análise de trás para frente. Se formos analisar a própria estrutura de muitas casas das áreas, que são chamadas de vulneráveis, localizadas em periferias e favelas, muitas delas já utilizam massivamente o aço nas coberturas. Isso costuma também ser uma escolha para lidar com a o caráter de efemeridade da própria laje nesses ambientes. Construir uma cobertura sobre o terraço, que permita uma expansão posterior, por possuir um caráter quase de um galpão sobre a habitação, é uma propriedade bastante difundida nesses lugares. No caso do Parque especificamente, essa escolha ganha uma ampliação em escala tanto vertical quanto horizontal. A possibilidade de uma maior diversidade de apropriações foi um ponto fundamental para o projeto.

Tribuna: A aplicação do aço pode ser ampliada no Rio de Janeiro? De que forma?

F.R.: Tudo depende da qualificação da mão de obra e da difusão da técnica. Projetos como o Mercado da Praça, do Parque de Realengo, em algum lugar, ajudam a ampliar o imaginário das potencialidades que essa estrutura pode ter. Não apenas em termos de funcionalidade, mas de qualidade visual, somado a questões compositivas do objeto arquitetônico.

Tribuna: O uso do material é favorável em uma cidade tão quente?

F.R,: Acreditamos que tudo depende do manejo. Frequentemente, as coberturas de aço são usadas para mitigar o calor das lajes de casas térreas. Nesse sentido, manter um pé-direito alto ou utilizar estratégias de colchão de ar, onde ao invés de fechar um bloco inteiro de aço, mantém-se uma circulação de ar constante, já ajudam na aplicação desse material.

O Parque Realengo Susana Naspolini funciona de terça a domingo, das 6h às 22h. A administração da unidade projeta uma visitação de 5 mil pessoas, nos fins de semana. Não é permitida entrada de pessoas com recipientes de vidro. As churrasqueiras locais podem ser usadas gratuitamente, mediante reserva na administração. Só são permitidos espetos de madeira e talheres de plástico na área. A entrada é franca.

O Parque Realengo fica na Rua Prof. Carlos Wenceslau, nº 290, em Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

 

Patricia Lima