A primeira infância é um período crucial no desenvolvimento físico, emocional e cognitivo das crianças. Estudos apontam que é durante essa etapa, que compreende os primeiros seis anos de vida, que os vínculos afetivos e a segurança emocional são essenciais e intensificados para a criança.
Ainda que existam diversos tipos de famílias, constituídas de diferentes maneiras, observa-se que a figura materna desempenha um papel central nesse processo, sendo a referência e modelo da criança. No entanto, quando uma mãe é diagnosticada com câncer de mama, essa dinâmica familiar sofre profundas mudanças, afetando não apenas a mulher, mas também seus filhos. Em alusão ao Outubro Rosa, campanha mundial de conscientização sobre o câncer de mama, este artigo aborda a importância da atenção e do cuidado especial com crianças na primeira infância, cujas mães enfrentam o tratamento de câncer de mama.
O Impacto Emocional nas Crianças
As crianças pequenas são extremamente sensíveis às mudanças no ambiente familiar e às emoções dos adultos. Um diagnóstico de câncer de mama pode desencadear uma série de reações emocionais na vida de mãe e filho(a). Ainda que não compreendam completamente a gravidade da doença, as crianças percebem quando há mudanças nos comportamentos e emoções dos pais. A rotina pode ser alterada por consultas médicas, tratamentos intensivos e, em alguns casos, hospitalizações prolongadas e quimioterapias. A mãe, muitas vezes, se encontra em um estado emocional vulnerável, necessitando de uma rede de apoio, ao mesmo tempo em que pode impactar a interação e a rotina com os filhos(as).
Segundo estudos da área da psicologia, a primeira infância é uma fase de extrema dependência emocional e afetiva da criança em relação à mãe. De acordo com Bowlby (1988), o apego seguro, que é formado quando a criança sente que suas necessidades de cuidado e conforto são atendidas, é fundamental para o desenvolvimento saudável da autoestima e da confiança. Quando a figura materna passa a lidar com o estresse e a dor do tratamento contra o câncer, esse apego pode ser temporariamente abalado, o que pode gerar ansiedade, insegurança e medo nas crianças.
As mães que enfrentam o câncer de mama, enquanto cuidam de crianças pequenas, precisam de redes de apoio, que podem incluir familiares, amigos, profissionais de saúde e vizinhos, os quais desempenham um papel essencial para garantir que a criança receba o cuidado e a atenção de que necessita, mesmo que a mãe esteja temporariamente impossibilitada de oferecer esses cuidados de maneira satisfatória e plena. A presença de figuras de apoio estáveis pode ajudar a minimizar os impactos emocionais e garantir que a criança continue se sentindo segura e amada.
Além disso, a comunicação honesta e adaptada à idade da criança é uma ferramenta poderosa. Embora não seja necessário entrar em detalhes sobre o tratamento ou prognóstico, é importante que a criança seja informada de que a mãe está passando por um processo de cura. Estudos mostram que a falta de informação pode aumentar a ansiedade infantil, uma vez que as crianças tendem a imaginar cenários piores do que a realidade.
Eu, Keyla Ferrari, autora deste artigo, aos seis anos de idade, lembro-me de ver minha mãe chorando muito e todos os adultos da casa em volta dela. Passei a não querer mais ir para a escola, pois imaginava que minha mãe ia morrer; passei a chorar todos os dias e desenvolvi uma depressão infantil.
Claro que tive suporte de uma psicóloga, mas este apoio demorou um tempo a chegar. Depois, precisei entender sobre o corpo diferente de minha mãe, sem uma mama, e compreender a vergonha que ela demonstrava ter daquele corpo diferente. Eu não entendia, na época, por que a perda de um seio doía tanto.
Neste sentido, explicações simples, como “a mamãe está doente, mas os médicos estão cuidando dela para que ela fique melhor“, ou “logo ela estará boa novamente“, podem ajudar a acalmar e esclarecer a situação.
Se algo se modificar na aparência física da mãe, como se os cabelos caírem ou se ela perder um dos seios, deve-se buscar mostrar à criança que essas mudanças acontecem, mas é preciso tratar o tema com naturalidade, talvez até com um pouco de ludicidade e leveza, para que a criança aceite o corpo diferente da mãe durante o processo de tratamento, sem que isso pareça uma tragédia sob a perspectiva infantil. Não queremos aqui minimizar a dor emocional da mulher em relação às mudanças que ocorrem por conta do tratamento do câncer de mama, mas procurar levar à criança a verdade com mais segurança, leveza e ludicidade.
Brincar com lenços coloridos ou perucas diferentes e respeitar as escolhas de cada mulher — se vai usar uma prótese ou não, para aquelas que não conseguem a reconstrução mamária imediata — pode ajudar nesse processo. Sabemos que cada caso é único, e a resposta emocional das mulheres que passam por esse processo também. Entretanto, é preciso apoiar a mãe e os filhos.
A Importância de Manter a Rotina
Manter a rotina da criança o mais estável possível é fundamental. A consistência nas atividades diárias, como a hora de dormir, brincar e comer, proporciona uma sensação de normalidade e segurança. Mesmo em meio ao tratamento do câncer, os esforços para manter a criança em ambientes conhecidos e atividades familiares podem reduzir os sentimentos de insegurança. Quando a mãe não consegue estar presente, outros cuidadores podem assumir temporariamente as responsabilidades, mas é essencial que a transição seja feita de maneira acolhedora e carinhosa.
Na medida do possível, a figura materna deve tentar preservar momentos de conexão com a criança, mesmo que com menor intensidade do que o habitual. Pequenos gestos, como ler uma história antes de dormir, fazer uma refeição juntos ou dar um simples abraço, têm um impacto profundo no bem-estar emocional da criança e ajudam a manter o vínculo afetivo.
Eu, assim como minha mãe, também fui acometida pelo câncer de mama. Na época, meu filho caçula estava com sete anos de idade. Lembro-me de ter comprado três perucas baratas, de fantasia, coloridas, e a cada noite usava uma peruca de cor diferente para contar histórias a ele. Depois, arrumei roupas de fada, bailarina etc., e essa relação lúdica me ajudou emocionalmente a lidar com a perda dos meus longos cabelos.
Cuidar da Mãe para Cuidar do Filho
O autocuidado das mães em tratamento contra o câncer de mama também é vital para o bem-estar das crianças. Muitas vezes, as mães podem se sentir culpadas por não conseguirem atender plenamente às necessidades de seus filhos durante o tratamento. No entanto, é importante lembrar que cuidar de si mesma é o primeiro passo para poder cuidar dos outros. Quando a mãe está emocionalmente e fisicamente apoiada, ela estará mais preparada para lidar com os desafios de estar com um filho(a) durante esse processo cheio de desafios e dores físicas e emocionais.
Acredita-se que grupos de apoio, terapias e o diálogo com outros familiares são ferramentas fundamentais para aliviar o estresse. Estudos apontam que o suporte psicológico oferecido às mães também impacta positivamente os filhos, uma vez que crianças tendem a reagir diretamente ao estado emocional dos pais.
O câncer de mama é um desafio profundo e multifacetado, especialmente para mães de crianças na primeira infância. No entanto, com um sistema de apoio adequado, comunicação clara e lúdica, além de estratégias que priorizem tanto o bem-estar da mãe quanto o da criança, é possível minimizar os impactos negativos e preservar um ambiente de segurança, cuidado e amor.
Neste Outubro Rosa, além de conscientizar sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama, é fundamental lembrar das mães que lutam contra a doença e de seus filhos, que precisam de atenção, cuidado e suporte para superar, juntos, essa fase desafiadora.