quarta-feira, 29 nov, 2023

OPINIÃO

Os contratos imobiliários e a energia renovável

Alberto

*Por Alberto Coimbra

 

O Brasil tem visto nos últimos anos o crescimento no número de projetos de usinas de produção de energia elétrica de matrizes renováveis. Em sua maioria, as instalações que aproveitam a luz do sol ou a força dos ventos para movimentar geradores são estabelecidas em áreas rurais, onde dividem espaço com a atividade agropecuária.

Nessa relação entre as empresas de energia e o proprietário dos imóveis rurais, a praxe do mercado tem sido a adoção do modelo de arrendamento, porém, em alguns casos os envolvidos optam tanto por um instrumento de cessão de direito real de superfície como pelo contrato de locação urbana e, mais raramente, o modelo de locação de coisa estabelecido pelo Código Civil.

A escolha do instrumento jurídico depende de alguns fatores que vão desde as particularidades operacionais e financeiras de cada projeto, até exigências de notários no momento do registro dos contratos nas matrículas dos imóveis. Por isso, abordaremos a seguir as principais nuances jurídicas de cada modelo, para demonstrar que há um vácuo legislativo que traz insegurança jurídica a todos envolvidos.

Como mencionado, o modelo mais comum de contrato imobiliário para reger as relações entre empresas de energia e donos de terras rurais é o arrendamento. Todavia, apesar de ser um instrumento corriqueiro, a norma não prevê o seu uso para cessão de um imóvel rural para produção de energia elétrica.

O objetivo do arrendamento é a cessão do imóvel rural para o exercício de atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, conforme estabelecido no art. 1º, do Decreto n.º 59.566/66, que regulamenta a Lei da Terra. Ou seja, como a produção de energia elétrica não consta no rol das atividades que um arrendatário deve performar em um imóvel arrendado, o modelo não se aplicaria à essa relação.

É por isso, inclusive, que alguns cartórios de registro de imóveis simplesmente se recusam a averbar contratos de arrendamento nas matrículas de alguns imóveis rurais. Os tabeliões, corretamente, afirmam que o modelo não se presta ao intento do acordo, restando a pergunta: se não é arrendamento, seria o que?

Uma das alternativas ao arrendamento seria a cessão de direito real de superfície. Um tipo contratual previsto no art. 1.372 do Código Civil, no qual o proprietário transfere à empresa de energia o direito de construir a usina no seu imóvel rural. Entretanto, apesar da adequação jurídica do modelo à operação, há um grande inconveniente que é a incidência de ITBI.

A cobrança do tributo deve-se ao fato de que a concessão de direito de superfície se enquadra no fato eleito pela Constituição Federal como possível de ser objeto de norma de incidência tributária de competência dos Municípios, previsto no artigo 156, II.

Assim sendo, a opção o uso da cessão de direito real de superfície é muito raro, pois o modelo traz consigo um aumento do custo tributário da operação, exatamente em uma fase na qual o investidor ainda não está auferindo renda, pois sequer iniciou as atividades de produção de energia.

Por conta desse impasse, alguns investidores optam pelos modelos de locação, podendo ser utilizado aquele previsto na Lei nº 8.245/91 ou o estabelecido no art. 565, do Código Civil. Contudo, novamente ambos os instrumentos jurídicos não se adequam à relação jurídica, se a leitura das normas for na sua literalidade.

A Lei nº 8.245/91 dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos, o que por óbvio afastaria a sua incidência na cessão de terras em áreas rurais. Exatamente por isso, quem opta por esse modelo enfrenta enorme dificuldade de averbar o acordo no cartório de registro de imóveis. A grande maioria dos tabeliões não aceita o modelo, por entender que a lei não se aplica a imóveis rurais.

Não obstante, sobre o uso da locação prevista na chamada Lei do Inquilinato para projetos de energia renovável em áreas rurais, o Parecer nº 001/2018 do Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais ao tratar da “transmissão da posse de imóvel rural para instalação de usinas de geração de energia fotovoltaica” defendeu que “mesmo que seja rural o imóvel onde a usina será implantada, nota-se que a atividade nele exercida não será agropecuária. Isso caracteriza a locação de imóvel rural, para fins comerciais ou industriais, aplicando-se ao caso a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91).” Apesar do parecer não ter poder de orientar os Tribunais, alguns precedentes judiciais têm apontado para esse caminho.

Em último caso, para adequação da relação jurídica à norma sobraria a locação de coisas do art. 565, do Código Civil. Nela, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição. Porém, mais uma vez se está diante de um modelo pouco aceito pelos cartórios de registro de imóveis, sob a justificativa de ausência de previsão legal para a adoção desse tipo de contrato.

Em resposta a essa dificuldade, tramita na Câmara dos Deputados o PL nº 4.283/21, de autoria do Deputado Carlos Bezerra (MDB-MT) que acrescenta o Parágrafo Único ao art. 565, do Código Civil para dispor sobre a locação de imóveis rurais para empreendimentos voltados à geração de energia elétrica.

 

Parágrafo Único. A locação de imóvel rural para empreendimento destinado à geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis reger-se-á pelo disposto neste Capítulo e, de forma supletiva e subsidiária, pelas demais disposições deste Código.

 

Atualmente, o PL se encontra na CCJC da Câmara dos Deputados e, segundo o autor “esse tipo de atividade não pode ser objeto de arrendamento rural, porquanto não se trata de atividade agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativa. Tão pouco se enquadra no âmbito da Lei nº 8.245/91 – Lei de Locações, pois tal norma incide apenas sobre imóveis urbanos, não amparando os rurais. Já o contrato de locação de coisas, disposto no Código Civil, é o instrumento pertinente para abarcar os ajustes entre o proprietário da terra e o empreendedor interessado em gerar energia elétrica.”

 

O movimento legislativo é a demonstração da existência de um vácuo normativo que o PL pretende sanar. Essa situação tem trazido insegurança jurídica e aumento de custos aos investidores que pretendem desenvolver projetos de energia limpa no país.

Além de todos os requisitos regulatórios e cronogramas atrelados à atividade de produção de energia elétrica e dos altos custos operacionais, as dúvidas que pairam sobre o correto instrumento contratual para as relações imobiliárias travam os projetos, pois o questionamento à negativa de averbação de um contrato que rege a relação jurídica entre empresas de energia e donos das terras é feito por meio da suscitação de dúvida ao juízo competente.

Trata-se de procedimento administrativo vinculado por meio do qual o oficial de registro, a pedido do interessado, submete a exigência apresentada, mas não satisfeita, à decisão judicial. Entretanto, por ser um processo moroso e custoso aos envolvidos, é evitado aceitando-se as exigências dos registradores e adequando o modelo ao gosto de cada cartório.

Assim, para evitar essa diversidade de entendimentos que ocorre as vezes dentro de um mesmo cartório, seria fundamental para o setor que o Congresso Nacional aprovasse o PL nº 4.283/21, tornando expresso na lei que o modelo de contrato imobiliário adequado para os projetos de energia renovável em áreas rurais é aquele a ser previsto no art. 565, parágrafo único, do Código Civil.

 

*O Doutor Alberto Coimbra é advogado especialista em regulação do setor de óleo e gás, formado pela FND/UFRJ e pós graduado pela PUC/SP

 

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