terça-feira, 5 dez, 2023

OPINIÃO: Análise do caso Deltan Dallagnol

Deltan Dallgnol
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

 

Por Alberto Coimbra e João Alexandre Viegas Costa Neto*

 

No último dia 17 de maio, o TSE cassou o registro da candidatura do deputado Deltan Dallagnol. O tribunal enquadrou o ex-procurador da Lava-Jato na hipótese do art. 1º, I, “q”, da Lei da “Ficha Limpa”, a qual pune com 8 anos de inelegibilidade aqueles que pedem exoneração do serviço público na pendência de processo administrativo disciplinar.

No caso em tela, objetivamente, Deltan não respondia a processo administrativo disciplinar quando pediu exoneração, porém teria renunciado ao cargo de forma dissimulada para evitar que procedimentos no CNMP contra si avançassem para PAD.

Ademais, a saída do serviço público ocorrera apenas 16 dias depois de um colega seu ser demitido do cargo em virtude de outro PAD e cinco meses antes do prazo exigido por lei, para que pudesse se candidatar a um cargo eletivo.

João Alexandre Viegas Costa Neto

Todo esse contexto gerou enorme controvérsia na comunidade jurídica, essencialmente na avaliação a respeito da interpretação dada pelo TSE ao dispositivo da Lei da Ficha Limpa. Isso porque, conforme visto, o comando normativo prevê a inabilitação eletiva nos casos de pedido de exoneração na pendência de processo administrativo disciplinar.

A primeira pergunta que surgiu no cenário jurídico foi a seguinte: sem processo disciplinar quando do pedido de exoneração de Deltan, seria cabível a interpretação extensiva pelo TSE, assumindo que o deputado teria fugido do cargo público para não ficar efetivamente inelegível?

A segunda pergunta: a decisão seria algum ato de retaliação contra o ex-procurador da polêmica Operação Lava-Jato?

Sobre a primeira questão, o Ministro Benedito Gonçalves considerou haver cinco elementos de fraude à lei. Ao analisar os aspectos temporais, fáticos e jurídicos, entendeu pela sanção mesmo sem que os requisitos da Lei da Ficha Limpa estivessem objetivamente presentes no caso concreto, conforme o seguinte resumo:

(a) a anterior existência de dois processos administrativos disciplinares (PAD), com trânsito em julgado, nos quais o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aplicou ao recorrido as penalidades de censura e advertência, que por sua vez eram aptas a caracterizar maus antecedentes para fins de imposição de sanções mais gravosas em procedimentos posteriores (arts. 239 e 241 da LC 75/93);

(b) tramitavam contra o recorrido, no CNMP, 15 procedimentos administrativos de natureza diversa (tais como reclamações), os quais, depois de sua exoneração a pedido, foram arquivados, extintos ou paralisados. Há ainda de se considerar dois fatores: (b.1) conforme disposições constitucionais e legais, esses procedimentos poderiam vir a ser convertidos ou darem azo a processos administrativos disciplinares (PAD); (b.2) os fatos a princípio se enquadram em hipóteses legais de demissão por quebra do dever de sigilo, do decoro e pela prática de improbidade administrativa na Operação Lava Jato;

(c) um dos procuradores da República que atuou com o recorrido na Operação Lava Jato sofreu penalidade de demissão em 18/10/2021, em processo administrativo disciplinar instaurado pelo CNMP a partir de anterior reclamação, por contratar e instalar outdoor em homenagem à força-tarefa, contendo fotografia na qual o recorrido também aparece (ato de improbidade administrativa);

(d) logo em seguida, apenas 16 dias após esse fato, o candidato recorrido pediu sua exoneração do cargo de procurador da República;

(e) a exoneração do recorrido em 3/11/2021, onze meses antes das Eleições 2022, causou espécie tanto pelos fatores acima como também porque, nos termos do art. 1º, II, j, da LC 64/90, os membros do Ministério Público apenas precisam se afastar do cargo faltando seis meses para o pleito, isto é, somente em 2/4/2022.

Quanto à segunda pergunta, haverá sempre conclusões das mais diversas. Alguns dirão que sim, o deputado é vítima de perseguição, pois teria atuado de forma incisiva durante seu tempo como procurador e, portanto, o meio político teria feito de tudo para retaliá-lo. Todavia, outros dirão que a fraude é nítida, que a decisão foi técnica e que a interpretação expansiva das hipóteses da Lei da Ficha Limpa serviu para preservar a intenção do legislador.

Em suma, o entendimento do TSE foi no sentido de que a controvérsia posta nos autos não seria a possibilidade de se conferir interpretação ampliativa ao termo “processo administrativo disciplinar”, mas sim avaliar se o pedido de exoneração de Deltan ofendeu as intenções do legislador quando criou critérios de inelegibilidade.

 

*O Doutor Alberto Coimbra é advogado especialista em regulação do setor de óleo e gás, formado pela FND/UFRJ e pós graduado pela PUC/SP.

*Joao Alexandre Viegas Costa Neto é Consultor Legislativo, na área de Constituição e Justiça, da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

 

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