Prisão dos militares “Kids Pretos” traz como consequência debate em redes sociais, com especialistas comentando se conspirar é ou não crime. Foto: Divulgação/ Exército Brasileiro
A operação da Polícia Federal que prendeu quatro militares e um policial que estavam planejando um golpe que envolvia o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente, Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tem se tornado tema de debate em várias esferas. A principal questão levantada por especialistas do direito penal é que o fato no qual está sendo embasada a prisão, bem como a apreensão dos suspeitos na Operação Contragolpe, deflagrada pela Polícia Federal, é que a conspiração, em si, se caracteriza por um acordo entre duas ou mais pessoas para cometer um crime no futuro, mas não diante se seu planejamento. Logo, no Brasil, a conspiração não é um crime específico do Código Penal Brasileiro (CPB), mas é possível caracterizá-la em alguns casos como motim ou revolta e formação de quadrilha, o que poderia, posteriormente, ser classificado como algo criminoso e passível de punição.
Ou seja, para que a ação cometida pelos militares seja considerada conspiração e se torne um crime em relação a seu fim, alguns pontos são necessários. São eles: quando as vontades dos agentes se convergem; caso exista mais de um participante envolvido na ação; o crime a ser cometido deve ser específico; e o delito seja consumado no momento do acordo. Diante de tais informações, a pena para o crime de conspiração é inferior à que seria aplicada se o crime tivesse sido consumado: ou seja, a pena é de 1/3 a 2/3 da pena do crime que se pretendia cometer.
Vale destacar que a LSN de 1983 (Lei nº 7.170), que foi atualizada pelo presidente Jair Bolsonaro na Lei 14.197/21, apresenta as regras para garantir a segurança nacional contra a subversão da lei e ordem política e social, além de estabelecer o processo de julgamento. Entre os crimes que configuram ataques contra ordem política e social estão os danos ou lesões à integridade territorial e soberania nacional, ameaça ao regime adotado no país, à Federação, ao Estado de Direito e chefes dos Poderes da União. Isso significa que todos os suspeitos do golpe estão enquadrados nessa lei, mesmo não sendo aplicada de forma correta, segundo especialistas.
No texto “Dos crimes contra as instituições democráticas”, são citados:
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito – Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
- Golpe de Estado – Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
Debate nas redes sociais e “surpresa” das Forças Armadas
O debate está acalorado e tomando conta das redes sociais. O jurista, jornalista e professor Fabricio Rebelo se posicionou em sua conta na rede social X, alegando ser “extremamente difícil compatibilizar a decisão com o Direito Penal brasileiro (o real, não o “criativo”). Ele postou, ainda, que “a fase de cogitação de um crime não é punida em nenhuma hipótese, seja lá qual for ele. Assim, se alguém pensa em matar outra pessoa, por exemplo, e nada faz para colocar em prática seus pensamentos, a ele não é possível aplicar nenhuma punição.”
Ele afirmou, ainda, que “os atos preparatórios para um crime, por regra, igualmente não são punidos, e as exceções precisam estar explícitas na lei, como no caso do crime de terrorismo…” e que “…se alguém começa a praticar um crime e o interrompe antes de obter qualquer resultado, não responde por nada além daquilo que efetivamente praticou; e se isso não constituiu crime, não responderá por conduta nenhuma”, finalizando com “como venho dizendo há tempo, do dito ‘Estado Democrático de Direito’, hoje só resta o ‘Estado’”.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), também se pronunciou em sua conta da rede social X: “por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime”. O político minimizou o fato, acrescentando na sua conta da rede social: “quer dizer que, segundo a imprensa, um grupo de pessoas tinha um plano pra matar autoridades e, na sequência, eles criariam um ‘gabinete de crise’ integrado por eles mesmos para dar ordens ao Brasil e todos cumpririam???”
No entanto, a notícia foi recebida pela cúpula das Forças Armadas com “surpresa”, “decepção” e “tristeza”. Segundo integrantes de alta patente, o episódio traz um “estrago terrível” para a imagem dos militares e, em especial, do Exército. Eles comentaram, ainda, que o plano, mesmo tendo sido arquitetado por uma minoria, é o suficiente para causar “graves danos” aos militares e à credibilidade dos mesmos. Eles admitem, também, que a postura de Jair Bolsonaro como presidente à época, usando politicamente parte das Forças, colaborou para que parte de seus integrantes abraçassem um plano criminoso, como revelado pela Polícia Federal.