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A EXPROPRIAÇÃO DO POVO BRASILEIRO PELA SELIC

tribuna.com.br
A EXPROPRIAÇÃO DO POVO BRASILEIRO PELA SELIC


J.Carlos de Assis



O Banco Central aumentou, há dois dias, a taxa Selic, de 11,15% para 12,25%. Pela primeira vez, porém, viu-se uma forte reação contrária a essa decisão por parte de representantes das classes dominantes: a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) considerou o aumento “excessivo e um obstáculo para a indústria nacional”. Claro, essa não é a opinião do “mercado”, nem da própria FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Esta, embora parceira da FIRJAN, é sócia do setor financeiro especulativo e, portanto, favorável a um nível cada vez maior da Selic.


Contudo, o dissenso no segmento da indústria é um bom sinal. Afinal, ele comprova que nem todo o empresariado produtivo está contra os interesses do povo e alinhado à especulação financeira desenfreada promovida pelo Bacen. A Selic constitui o mais poderoso instrumento de aumento da Dívida Pública, de transferência de renda e de riqueza de pobres para milionários, de alimentação da moeda financeira, de trava para o desenvolvimento sustentável do País. Enfim, é o elemento mais corrosivo da saúde da economia brasileira.


Levando em conta apenas a questão da dívida, de acordo com as estatísticas fiscais do Bacen, de outubro de 2024, a cada aumento da Selic de um ponto percentual o estoque da DPGG (Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) crescia cerca de R$ 55,2 bilhões.  Com o aumento da taxa em 1,75 pontos percentuais em apenas quatro meses, a dívida crescerá aproximadamente R$ 96,6 bilhões. Esse montante é muito superior aos cortes nas políticas sociais do governo nos próximos dois anos, de cerca de R$ 70 bilhões, impostos pela Faria Lima e recentemente anunciados pelo Governo.


Não só isso. Em janeiro de 2016 a taxa Selic estava em 14,25% e o IPCA, em 10,71%. O ganho “real” dos aplicadores em títulos remunerados pela Selic foi de 3,54%, portanto, não muito alto, a despeito de a Selic estar nas alturas.  Em agosto de 2016, a Presidenta sofreu o golpe capitaneado pelo seu Vice, Michel Temer. O golpista fez um pronunciamento comunicando à população que reduziria a taxa básica de juros, Selic, em dois pontos percentuais, assim como o índice de inflação oficial (IPCA).


Isso efetivamente aconteceu: em fevereiro de 2017 houve uma redução da Selic em 2 pontos percentuais, saindo de 14,25% para 12,25%. No mesmo período, a redução do IPCA foi de 5,95%, saindo de 10,71% para 4,76%. Como se observa, houve um ganho real (Selic – IPCA) de 7,49% para os aplicadores, a despeito da redução da Selic e do IPCA. Mas o ganho “real” de fevereiro de 2017 (7,49%) para os especuladores foi mais de 110% maior que o ganho “real” de janeiro de 2016 (3,54%), passando a ser um dos maiores do mundo na história no planeta.


O “mercado” financeiro aplaude o aumento da Selic, com   o pretexto de que serve para controlar a inflação. Falso. Como tem sido visto na prática, aumento da Selic não tem qualquer influência na evolução do IPCA, o principal indicador de inflação no Brasil. Além disso, argumenta que a alta da Selic impede a fuga de investidores para o dólar e ajuda na estabilização do câmbio. Também falso. Mesmo quando ela cai, o ganho “real” dos investidores pode alcançar a lua, como se viu.


Para a estabilização do câmbio há alternativas melhores do que o aumento da Selic, como o recurso direto a reservas internacionais em dólar (saldo de novembro de 2024, cerca de US$ 363 bilhões), ou sua utilização como garantia para operações de swaps (trocas de moeda). A opção pela Selic, incluindo os dois pontos percentuais já antecipados para as duas próximas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), é um exagero, tendo em vista todas as suas repercussões no mercado.


Elasticidades da DLSP e da DBGG – dezembro de 2022


A tabela do Bacen a seguir atualiza as elasticidades, ou seja, as variações da Dívida Liquida do setor Público (DLSP), da Dívida Bruta Governo Geral (DBGG), da taxa de câmbio, da taxa de juros e dos índices de preços (IPCA) para o mês de dezembro de 2022. Para cada aumento de um ponto percentual na taxa Selic, em dezembro daquele ano, o saldo da Dívida Liquida do Setor Público e da Dívida Bruta do Governo Geral aumentou cerca de R$ 38 bilhões.



Já em outubro de 2024, o aumento de um ponto percentual da taxa Selic mostra as consequentes variações na taxa de câmbio, na taxa de juros e nos índices de preços (IPCA), sendo que o estoque da Dívida Bruta do Governo Geral aumentou de R$ 55,2 bilhões. O total desse estoque, segundo o próprio Bacen, alcançou nesse mês R$ 9,032 trilhões. Entretanto, como a tabela mostra, não há relação entre aumento da Selic e controle da inflação.


SELIC E INFLAÇÃO E DÍVIDA


Por que é falso que a taxa Selic controla a inflação? Simplesmente porque a inflação brasileira não é de demanda, mas de uma oferta relativamente mais baixa de bens e produtos de consumo geral no mercado interno, principalmente de alimentos, e por causa dos preços administrados pelo Governo federal (energia elétrica, combustíveis, transporte etc.). De fato, quem alimenta a maior parte do povo brasileiro é a agricultura familiar, o MST, o pequeno e médio produtor. O Agronegócio produz produtos primários e semielaborados, principalmente para exportação (commodities).


Em agosto de 2020, como visto, a taxa Selic baixou para 2%. Em 24 meses, em agosto de 2022, aumentou para 13,75%. Portanto, um aumento de 11,75 pontos percentuais. Como o próprio Bacen divulgou em suas estatísticas, a cada ponto percentual de aumento da taxa a DBGG cresceu R$ 38 bilhões. Em todo o período, a Dívida Bruta do Governo Geral aumentou em R$ 446,5 bilhões. Em dezembro de 2023, contudo, a taxa seguiu uma trajetória de redução até outubro deste ano, atingindo 10,5%, e crescendo em seguida 0,25%.


Ainda de acordo com o Bacen e como foi visto, para cada ponto percentual de aumento da Selic em outubro último o estoque da DPGG cresceu R$ 55,2 bilhões.  Após a divulgação, pelo Copom, no último dia 11, do aumento da taxa para 12,25%, o estoque crescerá, em pouco mais de quatro meses, cerca de R$ 96,6 bilhões, como também observado. Já os efeitos a longo prazo do uso da Selic para corrigir a dívida podem ser vistos desde 2016 até outubro de 2024, quando a Dívida seguiu uma trajetória de crescimento, independentemente de redução ou aumento da taxa Selic e do IPCA.


De fato, em apenas 118 meses, esse estoque cresceu em cerca de R$ 5,039 trilhões. Trata-se de montante de recursos destinado exclusivamente aos especuladores com a Dívida Pública, sendo que não houve, no período, grandes investimentos públicos em infraestrutura pelo Estado ou despesas consideráveis com políticas públicas sociais.


Em janeiro de 2016, a taxa Selic estava em 14,25% e o IPCA, 10,71%. Como se pode observar na tabela, apesar da Selic em alta, a inflação não caiu. Porém, em apenas 12 meses, como se constata nos dois indicadores econômicos, o estoque da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) cresceu cerca de R$ 386 bilhões. Este foi o custo, num ano, da insistência do Banco Central em usar a Selic para combater a inflação.



Essa política do Bacen, fortemente sustentada pelo “mercado” financeiro, revela o contrassenso da utilização da Selic para combater a inflação. Seu efeito, em vez disso, é um aumento brutal da Dívida Pública, não só da Dívida Pública Federal, mas também da Dívida Pública do Governo Geral, que inclui as dívidas dos demais entes federativos. Como consequência, para pagar o serviço dessas dívidas crescentes, o Governo, sob pressão do “mercado”, se vê obrigado, a fim de seguir à risca as metas do “arcabouço fiscal”, a cortar fundo no orçamento primário.


O orçamento primário é onde se concentram as despesas públicas de efetivo interesse do povo, ou seja, Previdência, educação, saúde, saneamento básico, construção de casas para as camadas mais vulneráveis da população etc. A outra parte do orçamento anual da União, a financeira, concentra o serviço da Dívida Pública. Esta deve ser paga de qualquer forma, pois, desde a Constituição liberal de 1988, não há limites para a tomada de empréstimos externos – inclusive para especulação no mercado aberto -, e, portanto, para as obrigações financeiras correspondentes.


Assim, quando há um risco de déficit orçamentário global, que afeta a meta fiscal do Governo de equilibrar suas contas, é o orçamento primário que tem que tem que ser cortado, já que o financeiro é intocável. É aí que surge o grande conflito entre o Executivo e o Legislativo, pois este último, cuja maioria é aliada do capital financeiro especulativo, exige do Governo, através da grande mídia, a adotar esses cortes no primário, a pretexto de dar “sustentabilidade” à Dívida Pública.


“Sustentabilidade” é a palavra mágica do “mercado” para que o Governo mostre, através de suas contas ao longo do ano, que pode pagar o serviço das Dívidas Públicas. A preliminar para isso é que seja indicada, já na elaboração do orçamento da União para um ano, sua capacidade de pagamento no ano seguinte. Quando não há equilíbrio entre capacidade de pagamento e despesas governamentais, inclusive de investimentos, o “mercado”, manipulando a grande mídia conservadora, sua aliada, passa a pressionar pelos cortes no orçamento primário.


Essas pressões nem sempre dão resultado, pois, como visto acima, o orçamento financeiro “livre” escapa das metas previstas com antecedência, e os cortes efetivados nem sempre conseguem conciliar o orçamento financeiro com o orçamento primário.

E isso é justamente o que está acontecendo agora: por força do aumento da Selic, a elevação do orçamento financeiro previsto para o próximo ano, da ordem de mais de

R$ 96,6 bilhões, já supera os cortes previsto do primário, de cerca de R$ 70 bilhões.


Portanto, inevitavelmente haverá déficit orçamentário no próximo ano, devido aos brutais níveis do serviço da Dívida Pública. A previsão de pagamento a Dívida Pública Federal, na PLOA/2025 é cerca de R$ 2,527 trilhões. Isso independe da vontade do presidente Lula de equilibrar os dois orçamentos na meta de equilíbrio do “arcabouço fiscal”, aprovado em 2023, a não ser que ele e o Congresso decidam esmagar de vez o orçamento social do Governo, onde se encontram, como mencionadas acima, as despesas e os investimentos destinados a atender aos interesses básicos diretos do povo, que já se encontram no osso.


Por fim, é preciso entender como exatamente se dá o processo de apropriação da parte de leão do PIB (Produto Interno Bruto) pelo “mercado” financeiro.

O instrumento para isso é o Bacen. Aumentando a taxa Selic, que corre à frente da inflação real, ele faz com que grande parte do capital produtivo migre para a especulação, tendo em vista o fato de que vale mais a pena ganhar dinheiro sem trabalhar, fazendo aplicações no over ou em títulos públicos de curto prazo, remunerados pela Selic, do que produzindo bens e serviços.


Ao lado disso, existe o fato de que a Selic é a base de uma “moeda remunerada”, jabuticaba que só existe em território brasileiro. Anunciada previamente de 45 em 45 dias, ela é picotada pelo Bacen no mercado aberto, diariamente, para remunerar aplicações de curtíssimo prazo no banco, inclusive os caixas que sobram de um dia para o outro no sistema bancário privado, através das chamadas “operações compromissadas”. Com isso, a parte rica e milionária da sociedade, que tem dinheiro de sobra, ganha só pelo uso da “moeda remunerada”, ainda mais dinheiro que os mortais comuns que não tem dinheiro em banco.


Assim é a economia brasileira, que chamo de “economia de especulação”, como contraponto de uma “economia de produção”. Ela vai na contramão da economia chinesa, hoje a de maior sucesso do mundo, onde o sistema produtivo goza de vantagens reais para investir na produção de bens e serviços destinados ao imenso mercado interno do País e para alimentar as exportações, com fortes desestímulos à especulação financeira, e efetiva contribuição para a estabilização inflacionária pelo lado da oferta. Isso, porém, abordaremos oportunamente nos próximos artigos.


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