Ex-mecânico da Voepass aponta falhas na manutenção de aviões da empresa
Mesmo após a queda do avião que matou 62 pessoas no ano passado, a empresa não reviu procedimentos

A companhia aérea Voepass, que teve as suas atividades suspensas, na última terça-feira (11), pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), não realizava as manutenções dos aviões adequadamente, segundo um ex-mecânico da empresa. No dia 9 de agosto de 2024, o avião ATR-72-500 da companhia caiu em Vinhedo, cidade a 80 km de São Paulo, matando 62 pessoas.
Em entrevista ao Fantástico, o técnico que trabalhou na companha antes e depois do acidente, afirmou que a estrutura de manutenção da Voepass é precária, registrando inclusive falta de materiais.
“A Voepass não dá suporte nenhum para a gente da manutenção. Não só de materiais, de componentes que vão ser postos nos aviões, colocados para manutenção, como ferramentas, tudo. Passei por grandes empresas, empresas boas, empresas excelentes, quando chegamos na Voepass, a gente sente uma diferença muito grande”, disse o ex-mecânico da Voepass ao Fantástico.
Sobre o trágico acidente de Vinhedo, o ex-funcionário contou à Rede Globo: “Eu já sabia que ia acontecer isso com o Papa Bravo [apelido da aeronave por causa das duas últimas letras do prefixo, P e B]. Era o avião que dava mais problemas. Era o avião que dava mais pane. A gente avisava que o avião estava ruim. A manutenção sabia que o avião estava ruim, a manutenção reportava, falava, avisava, e eles [ele se refere à alta chefia do centro de controle de manutenção da Voepass] queriam obrigar a gente a botar o avião para voar”.
Perguntado pela reportagem se medidas de prevenção teriam sido tomadas depois do acidente. O mecânico disso que nada mudou nos procedimentos da empresa. “Mudou em nada. Acho até que piorou”, disse ele.
Em dezembro, o Fantástico teve acesso a imagens de aviões parados em um matagal, em Ribeirão Preto, na cidade onde está localizada a sede da empresa. Perguntado sobre as aeronaves, o mecânico explicou que elas servem para desmanche e fornecimento de peças aos aviões ainda em funcionamento. O mecânico destacou que a prática não representa necessariamente um problema, mas, no caso da Voepass, era feita irregularmente.
No conjunto de imagens recebidas pelo programa havia alguns aviões envelopados com lona. O técnico explicou que a medida era tomada por causa das vistoras da Anac. Era uma forma de esconder as aeronaves.
“Aqueles aviões que estavam cobertos, aqueles eram os aviões que estavam no mato. Por que eles mandaram cobrir? Porque a ANAC ia fazer uma vistoria lá. Eles estavam escondendo da ANAC”, disse ele.
Relatório do Cenipa
Menos de um mês após o acidente fatal, o Centro de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) disse em relatório preliminar que, no voo havia muita formação de gelo, algo comum na altitude em que os ATR voam. Mas a recomendação nesses casos é que o avião baixe para derreter o excesso de gelo.
No documento, o Cenipa diz que os sistemas de derretimento de gelo das asas não funcionaram. A falha teria comprometido a estabilidade do avião, levando-o a perder a sustentação e cair em "parafuso chato"; quando o avião gira e perde altura. A queda foi uma das únicas dessa forma na história da aviação comercial.
Por meio de nota ao Fantástico, a Voepass afirmou que, durante seus 30 anos de atividade, a segurança sempre foi prioridade máxima para empresa e que pretende voltar a operar o mais rápido possível.
Sobre o relatório do Cenipa, disse que o documento confirmou que o avião do voo 2283 estava com certificação válida e todos os sistemas funcionando.
Sobre a manutenção dos aviões, a empresa afirmou que as práticas de desmanche e reutilização de peças entre aviões é legal se certificadas e com rastreabilidade adequadas.
A Voepass afirmou ainda que segue todos os protocolos regulatórios, nunca tendo burlado fiscalizações. A empresa contestou as denúncias de irregularidades.
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