*Por Rafael Souza
“Doutor, podemos falar em particular?
Então… papai ainda não sabe que está com câncer. A gente preferiu não falar pra ele. A gente tem falado que ‘é um problema que apareceu’… que ‘vai precisar operar’…Essas coisas, sabe?! Mas a gente prefere não falar que ele está com câncer.”
Quem trabalha com Oncologia já ouviu ou vai ouvir isso. E se você está lendo isso, provavelmente já chegou sozinho a um veredicto de condenar ou absolver esse familiar de paciente. Mas entenda: o que está em jogo aqui não é um julgamento de caráter de ninguém, mas uma avaliação da conduta aqui empregada.
E é com bastante serenidade que posso dizer: se o paciente é lúcido e quer saber o que está acontecendo com ele, esconder é uma das piores coisas que você pode estar fazendo pra ele. Existe um termo técnico que ilustra bem isso, e chamamos de CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO.
O profissional de saúde nem está autorizado a esconder nada do paciente que quer saber sobre seu caso. Diagnóstico, proposta de tratamento, prós, contras do tratamento, expectativas… Tudo isso é direito do paciente e dever do
médico.
Então deixa eu te adiantar: se você se viu na pele do familiar que descrevi no início, saiba que corre um risco de você ser “desmascarado” na consulta médica. E não adianta ficar com raiva do médico. Entenda que a Conspiração do Silêncio afasta você do seu ente querido que você gostaria de (e deveria) proteger. Você sempre fica na
defensiva, preocupado em “não falar mais do que deveria”, em não deixar escapar nada, preocupado em criar desculpas para exames, consultas, conversas em sussurros.
Isso só cria mais insegurança para a pessoa que deveria se sentir acolhida, protegida e amparada. Por isso, a Conspiração do Silêncio não é discutível. Ela é condenável.
“Certo, doutor. Entendi. Hoje mesmo vou falar tudo pra papai. Vou falar do
diagnóstico, da cirurgia, do tempo que ele tem de vida…”
Calma! Também não é por aí. Se por um lado muitas pessoas erram por não contar nada, outras são o extremo
oposto. Querem despejar tudo de uma vez em cima do paciente. Elas criam uma verdadeira DITADURA DA VERDADE (e sim, isso é um termo técnico).
Há de se entender que alguns pacientes dão sinais claros de que não querem saber detalhes da sua condição ou tratamento. Às vezes não querem saber nada. É aquele paciente que senta na cadeira, olha pra você mas toda vez que você o interpela, ele responde algo como: “Pergunta pra ela aqui. Ela é que sabe bem.” Mesmo que apergunta seja “como o senhor está se sentindo?”
Nesses casos, fica claro que o paciente não está muito interessado em conversar sobre a doença e tudo que ela
envolve. Falar sobre detalhes pode ser muito sofrido e penoso pra ele, e precisamos respeitar isso também. Às vezes ele já teve uma experiência (mesmo que não tenha sido com ele mesmo) ruim com a doença. Os estigmas do câncer são difíceis mesmo.
“Mas então o que fazer, doutor? Como adivinhar se o paciente quer saber ou não quer?” Simples. Já experimentou perguntar isso diretamente? “Papai, você quer saber o que você tem? Quer saber por que estamos aqui no consultório com o Dr Rafael?”
Essas perguntas simples podem ser a diferença entre um acompanhamento cheio de insegurança, ou uma jornada cheia de amor e confiança mútua.
Adendo: essa dica vale também para profissionais de saúde.
*O doutor Rafael Augusto Souza é cirurgião oncológico, formado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com especialização feita na residência médica do Instituto Nacional do Câncer (INCA), atualmente trabalha nos Hospitais Barra D’Or e Rio Barra (Rede D’Or), no Rio de Janeiro.
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