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sexta-feira, 6 dez, 2024

Brasil

Medidas de proteção ambiental derrubam em 84% a produção de ouro no Brasil

Garimpagem ilegal tem contribuído para a destruição na Terra Indígena Yanomami, em Roraima/ Foto: Fernando Frazão (Agência Brasil)
Garimpagem ilegal tem contribuído para a destruição na Terra Indígena Yanomami, em Roraima/ Foto: Fernando Frazão (Agência Brasil)

 

Fim do pressuposto da boa-fé; mecanismo de presunção da legalidade do metal por parte do vendedor, mesmo sem a comprovação sobre a origem da extração do metal, teria contribuído para a queda oficial

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Escolhas verificou que a produção de ouro no Brasil sofreu um recuo de 84% nos últimos dois anos, período no qual as medidas de combate à extração e ao comércio ilegal do metal passaram a vigorar. O estudo tomou como base os dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do portal Comex Stat, o site oficial para as estatísticas de comércio exterior brasileiro.
O levantamento apontou que duas medidas, especificamente, impactaram o mercado do ouro no Brasil. A primeira delas é a obrigatoriedade de emissão de notas fiscais eletrônicas nas transações. A segunda, o fim do pressuposto da boa-fé; mecanismo de presunção da legalidade do metal por parte do vendedor, mesmo sem a comprovação sobre a origem da extração do metal.
O considerável recuo na produção de ouro no Brasil, não representa necessariamente um igual recuo nas atividades do garimpo ilegal, segundo especialistas. Imagens captadas via satélite, ainda segundo os estudiosos, mostram que, na verdade, o ouro deixou de ser vendido no País para ser vendido em países fronteiriços, onde a lei é mais flexível.
Somente em 2022, a produção garimpeira resultou em 31 toneladas do metal. Em 2023, quando as novas regras passaram a valer, a produção foi de 17 toneladas, o que representa uma queda de 45%, o equivalente a R$ 4,3 bilhões.
No comparativo entre janeiro e julho dos anos 2022 e 2024, a queda foi de 84%. O Estado do Pará foi o mais afetado, registrando mais de 70% de queda na produção dos garimpos. Entre janeiro e julho deste, a garimpagem paraense acusou recuou 98% na sua produção.
Procurado pelo veículo, o Ministério do Meio Ambiente informou, por meio de nota: “A área de mineração entre janeiro e março de 2024 somou somente 7 km², o menor valor para o período desde 2017.” O órgão atribuiu a redução ao Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, a ações emergenciais e decisões do Judiciário.
O volume de exportação do ouro também foi afetado pelas medidas. Entre entre janeiro e julho de 2023, o Brasil registrou um recuo de 29%, no comparativo ao mesmo período de 2022, ano com 35% em volume de exportações. São Paulo – que escoa a produção dos garimpos da Amazônia -, e Mato Grosso foram Estados que mais registram queda nas exportações. O declínio se deu, principalmente, nas transações com a Índia, os Emirados Árabes Unidos e Bélgica que, juntos, deixaram de comprar 18 toneladas de ouro de São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
“Esse absurdo (presunção da boa-fé) foi um jabuti colocado pelo Congresso Nacional numa medida provisória durante o governo Dilma (Rousseff, em 2013)”, disse o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, que apoiou a derrubada da regra junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o Estadão.
Para a coordenadora da pesquisa, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, o recuo na produção ouro, após a adoção das medidas, demonstra que as portas teriam sido fechadas para “o ouro ilegal.”
“Com a adoção de medidas de controle onde, sabidamente, há indícios de ilegalidade, o mercado encolheu mesmo com o alto preço do ouro. Isso significa que portas foram fechadas para o ouro ilegal”, comentou Larissa Rodrigues, complementando: “Se, antes, o metal era facilmente ‘esquentado’ e exportado como legal, agora a história mudou, com o aumento dos custos e dos riscos das operações ilícitas,”
Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, destacou que a queda na exportação não representa necessariamente que a garimpagem ilegal em terras indígenas e unidades de conservação diminuiu ou recuou como os números apontam. Segundo ela, a legislação mais rígida ajuda, mas não é o suficiente. Melina citou a captação de imagens via satélite para a verificação do problema. Avaliações feitas pelo Greenpeace, por exemplo, não validam a redução nesse volume.
“Uma explicação possível é que o ouro deixou de ser inserido no mercado legal no Brasil, porque agora temos legislação mais rígida, mas está sendo ‘esquentado’ em países fronteiriços sem regulação tão forte, como Venezuela, Peru e Colômbia,” pontuou Melina Risso.
Larissa Rodrigues, pesquisadora do Instituto Escolhas, ressaltou que as medidas são apenas os primeiros passos para combater as agressões ambientais: “Combater a extração ilegal deve ser prioridade porque a prática provoca danos ambientais e sociais enormes e de difícil reversão, além de estabelecer concorrência desleal”, disse Larissa, acrescentando que o “garimpo ilegal está ligado ao narcotráfico, à lavagem de dinheiro, à prostituição, à contaminação dos rios.”
Já Raul Jungmann afirmou que o “garimpo ilegal é caso de polícia, não tem nada a ver conosco. Somos parte da economia do País, não parte de uma economia criminosa.”
Preservação ambiental

 

Para preservar a Amazônia, o combate à mineração irregular é fundamental. A atividade é praticada em aproximadamente 80 mil localidades, por 40 anos. A preservação florestal é crucial para conter a crise climática, pois o desmate é fonte de emissões de gases estufa no Brasil.
Contaminação de rios com mercúrio, destruição das roças de comunidades locais, e fuga de animais que servem de alimento são alguns dos efeitos da garimpagem ilegal. Além disso, os índios, em contato com os homens brancos, ficam expostos a doenças para as quais não têm imunidade desenvolvida.

Com a exploração de ouro no bioma, os Yanomami, instalados na maior reserva do tipo no País, em Roraima, mesmo após ação do governo federal, ainda são hostilizados e agredidos por grupos armados, que atrapalham a atuação de órgãos, como Funai e agentes de saúde.
Para evitar danos ambientais e sociais, além medidas já adotas, Larissa Rodrigues defende ampliação das obrigações sociais e ambientais por parte dos garimpos, tornando-os regimes de concessão de lavra quando atingirem certo volume. “Com uma estruturação empresarial, seria possível dimensionar e lidar melhor com os impactos da atividade”, apontou.
Sobre o regime de concessão de lavra, a Agência Nacional de Mineração (ANM) afirmou, por meio de nota, que ele “atende à pequena mineração, com menor nível de burocracias se comparado aos demais mecanismos existentes”, mas “respeito a legislação mineral e ambiental,” pontuou o órgão
O ANM disse ainda que, desde 2021, tem exigido uma solução técnica para os garimpos, que contemple a identificação dos métodos de lavra, equipamentos, escalas de produção e outros itens. Agência disse ainda que está elaborando regras para os garimpos, para a delimitação de até 50 hectares para pessoas físicas e firmas individuais, com georreferenciamento, aproveitamento de rejeitos, balanço do uso de mercúrio, e outras exigências.
O Estadão procurou o Banco Central para comentar a Pesquisa, mas não teve sucesso.