Jose Carlos de Assis
SELIC - UMA ERVA DANINHA
Muita gente que tem lido artigos meus propondo aextinção pura e simples da Selic talvez ache que estou exagerando nas críticasao uso pelo Banco Central dessa taxa extravagante para operações no mercadoaberto, e para o suposto controle da inflação. Afinal, ela existe e é usadadesde 1979, e até aqui, aparentemente, ninguém reclamava disso, exceto algunspoucos economistas desenvolvimentistas e eu.
Tenhoexplicado que a Selic é do tipo da jabuticaba, ou seja, de uma fruta que sóexiste em território brasileiro. Duvidam? Consultem o Google para saber se háexemplos similares de taxas básicas de juros desse tipo em outros países. Eledirá, literalmente: “Não há informações sobre outro banco central que use umataxa básica de juros semelhante à Selic, que é a taxa básica de juros noBrasil”.
E por que isso? Porque em nenhum país do mundoo capital financeiro especulativo tem a força e a cobertura da grande imprensae de economistas ideológicos conservadores que tem no Brasil. De fato, a Selicé a base de uma moeda de classe, ou seja, uma moeda financeira que rende juros diáriospara milionários e bilionários simplesmente pelo fato de que seu possuidor adeposita num banco de um dia para o outro.
Masnão é só isso. Em 1979, a Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) sedestinava apenas ao registro de operações do Bacen com o setor privado nomercado aberto. Progressivamente, espalhou-se como erva daninha no sistemafinanceiro e na própria economia real, tornando-se um indexador geral no lugardos índices do IBGE. Nessa condição, é efetivamente uma taxa que gera inflação,em lugar de combatê-la.
Assim,diante de uma inflação alta, como agora, é praticamente certo que a Selicatuará para inflar ainda mais os preços. É que ela é antecipada de 45 em 45dias pelo Bacen, o que indica aos empresários do setor produtivo de quantodeverão aumentar seus preços para ficarem nivelados com ela ou acima dela.Aliás, foi o que aconteceu com a inflação no início deste ano, depois doanúncio da Selic recorde de 12,25% em fins de 2025.
Novasaltas da Selic já estão anunciadas. Vamos para 14,25% a curto prazo. Não duvidoque a inflação dispare, pois tem ficado cada vez mais claro que é um fetiche doBacen considerar que seus aumentos recorrentes controlarão a alta dos preços eos estabilizarão. Ignoram, descaradamente, que inflação é um fenômeno demercado, sujeito a variações de oferta e demanda, e não um efeito monetário oufiscal.
Defato, muitos fatores políticos que nada têm a ver diretamente com a economiainfluem na inflação. Por exemplo, embargos e bloqueios comerciais do tipo que oinsolente governo norte-americano e seus parceiros subalternos da Europa, mesmoantes de Donald Trump, têm imposto a países como Irã e Rússia. É o caso também,entre outros fatores, como a falta de chips para a indústria eletrônica nomercado, na época da pandemia, e de quebras de safras, com ocorre com o custode vida no Brasil atualmente.
Contudo,ainda mais alarmante é o fato de que uma taxa básica de juros que se tornou tão fundamental para ofuncionamento da economia fique ao arbítrio do próprio sistema financeiroatravés da articulação entre o Copom,diretoria do Bacen, com os os grandes bancos e corretoras cujo principalinteresse é justamente aumentar a extravagante taxa de juros básica usada noBrasil.
Porfim, é preciso destacar que a Selic é também o indexador da Dívida Externabrasileira, que ela puxa anualmente para montantes estratosféricos com suas taxas exorbitantes. Com isso apenaspara 2025 as projeções indicam que o serviço total da Dívida, considerando oque tem acontecido nos dois primeiros meses do ano, aumentará para cerca dequase R$ 2 trilhões. Isso esmagará o orçamento primário.
Comoé sabido, o orçamento primário é onde se contabilizam as principais despesasgovernamentais de efetivo interesse do povo, como educação, saúde, saneamentobásico, construção de moradias para pobres etc. Numa época, como a atual, dedesastres climáticos extremos, prejuízos por eles causados também pesarão noorçamento fiscal, o que exigirá ainda mais cortes no primário além dos que sãousualmente feitos.
Issopode tornar-se um desastre financeiro, além de um desastre físico: como sesabe, o Governo não pode cortar no orçamento financeiro, pois o dinheiro devidoaos titulares da Dívida Pública é sagrado. Com isso, insistirá em cortar noorçamento primário, não obstante o fato de que isso virtualmente liquidará como Estado Social brasileiro. Como há limites políticos para isso, quem pagará aconta é o orçamento fiscal.
O“arcabouço” de Fernando Haddad e Simone Tebet, nessas circunstâncias, vaiexplodir, pois não haverá como cumprir metas fiscais ainda mais restritivas queas atuais. Além disso, o problema não é propriamente o déficit, que vai ocorrerinexoravelmente, mas o aumento físico da demanda agregada total, já que, parareposição dos prejuízos causados com os desastres climáticos, a sociedade teráde expandir a compra de bens de reposição.
Diantede uma demanda crescente, só não haverá uma explosão inflacionária se a oferta,ou seja, a produção (mais algumas importações) acompanhá-la. Mas para que aprodução acompanhe a demanda, os empresários terão de ter condições definanciamento favoráveis, principalmente taxas de juros menores – o que exigeuma ruptura completa com a política monetária de juros altos representada pela Selic.
Semisso, vai acontecer exatamente o oposto na economia brasileira: sem condiçõesde expandir o investimento, os empresários migrarão para o sistema financeiroespeculativo centrado na Selic, que lhes garante resultados muito maisfavoráveis, e custos nulos, em comparação ao que podem obter com seus sistemasprodutivos físicos. Também nesse caso, portanto – ou talvez sobretudo nele – aSelic é uma erva daninha perversa que tem de ser extinta da economia.
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