Jose Carlos de Assis
Quando Ricupero jantou com Sinatra
O ano era 1992. O mês eraoutubro. O dia, o segundo.
2 de outubro de 1992.
Chovia frio em Washington.Ricupero e Marisa recebiam Ruth Escobar e Shirley MacLaine na embaixada. Algumadescontração encantava o lugar. Ruth era amiga de Ricupero desde a juventude.Desde 1957. Desde os tempos em que não sabiam nem queriam saber o que viriam aser. Shirley MacLaine, todos sabiam. Além de linda, era uma musa. Estrela decinema. Literalmente. Premiada em todas as partes. Monumento sagrado da sétimaarte. Agora ali. Acompanhada de sua amiga Ruth. Diante de Marisa e de Ricupero.
Risadas, diversão, trivialidades.
O dia prometia. Iriam todos –Ricupero e Marisa inclusos – contemplar o show de Frank Sinatra ao anoitecer.Tudo ia bem.
Diversão, trivialidades, risadas.
Mas, pelas tantas, o telefonetoca. Era para o embaixador. Era para o Ricupero. Ricupero atende. A ligaçãovinha do Brasil. Talvez de São Paulo ou do Rio. Quem sabe, Brasília. Era ochanceler do outro lado. Era Fernando Henrique Cardoso querendo falar. Antigosenador que virou chanceler da presidência Itamar. Trazia um recado de Itamar.Um recado quase pessoal, direcionado ao embaixador Ricupero, transformado numamensagem curta e grossa: Itamar quer Ricupero no Ministério da Fazenda.
Ricupero ouviu sem falar. E, emseguida, reagiu sem pestanejar nem hesitar. Recusou prontamente. Indicou serengano. E apresentou as suas razões. Restando ao chanceler escutar e partir.Marcílio Moreira Marques seguia no cargo. Sucedia a Zélia Cardoso de Mello.Mas, agora, ia deixar. Mas não era o caso de largar. Itamar queria Ricupero. Efez Fernando Henrique de mensageiro para sutilmente avisar. Ricupero disse não.Itamar foi informado. E, por claro, não gostou nem aceitou. Retornou, elepróprio, presidente da República, a ligação para Washington. Queria falardiretamente com Ricupero. Em sua contrição interior deveria se martirizar com aindagação o onde é que já se viu?!
O telefone tocou em Washington.Ricupero atendeu. Era Itamar. História similar. Ricupero ouviu. Novamente,desconversou. Apresentou novas razões. Disse estar longe do Brasil. Serestranho à área – economia e finanças. Estar distante de seus operadores. Desconhecerempresários. E assim por diante.
Itamar, mineiro, portemperamento, silenciou. Ricupero também.
Despedida, seguramente, bem seca.
Tenha um bom dia, presidente.Tenha um bom dia, embaixador.
Mas uma aflição no ar. Longe,muito longe de assunto encerrado. Passados uns instantes, mais uma vez, otelefone em Washington tocou. Ricupero atendeu. Do outro lado, quem poderiaser? Sim, claro: José Sarney. O homem que sucedeu a Tancredo de Almeida Neves epor quem Ricupero sempre demonstrou afeição. Mas, agora, aflição. Assuntosimilar. O desejo de Itamar. Ricupero não teve como. Recrudesceu. Declinounovamente e disse adeus. Sabe-se lá se o antigo presidente entendeu. Poucoimporta. Ricupero disse não; e o seu não era não. Mas o seu telefone voltou atocar e tocar. Maiorais da vida nacional brasileira queriam lhe falar.Convencer. Quem sabe, até intimidar. O poderoso governador do seu estado natal,São Paulo, Luiz Antônio Fleury pediu a Ricupero que aceitasse o novo posto emseu favor. O extraordinariamente nobre senador gaúcho Pedro Simon moveuesforços pelo mesmo. Mas, não. Ricupero reiterava o seu não.
Era um dia especial. Fenomenal.Era o 2 de outubro de 1992 e todos em Washington queriam ver Sinatra. Ricuperotambém. Que coisa era aquela de ficarem querendo que ele assumisse o Ministérioque tanto mal causara ao seu mentor e amigo San Tiago Dantas quando, emBrasília, tudo em sua vida começou? Que coisa era aquela? Que coisa era aquelade quererem jogá-lo na piscina sem água, na fogueira sem fogo, no abismo semfundo, na floresta sem bússola, num Ministério – o da Fazenda – que até Deus –brasileiro ou não – hesitaria em aceitar?
Caiu a tarde. Todos ver Sinatra àrua 13, no Warner Theatre. Esqueça-se, por ora, mesmo sendo embaixador, oBrasil.
Diria um bom mineiro: tenha-se asanta paciência.
Belo show, findo o show, ojantar.
Sinatra – amigo próximo deMacLaine – convidou Ruth e Marisa, que adicionaram Ricupero. O projeto erajantar chinês. Foram todos. Sinatra guiando. Chegam ao restaurante. Ricuperodeveria estar cantarolando mentalmente algum sucesso do ídolo, tamborilandoalgum ritmo com os dedos das mãos ou fazendo o chão de percussão com as pontasdos pés quando a invenção de Graham Bell volta, mais uma vez, a tocar. Não tevejeito. Cortou-se o clima. Teve que atender. Era, novamente, do Brasil. Mas nãoera o chanceler nem o presidente. Era o jornalista Elio Gaspari, que ligarapara dizer que o economista Gustavo Krause acabara de aceitar ser Ministro daFazenda. E – quem sabe – também para recomendar a Ricupero que dormissetranquilo e aliviado pois não tinha sido daquela vez. Ricupero, por certo,ouviu aquilo e suspirou. Mas, claro, agora, ele não ia dormir. A noite estavasó começando. Sinatra – sim, Frank Sinatra – o aguardava lá dentro para jantar.
Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela USP,pós-doutor em Relações Internacionais pela Sciences Po de Paris, articulista doJornal da USP, pesquisador na FUNAG e professor na UFGD.
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