*Por Vitor Monteiro
Na atualidade, observamos que algumas práticas de controle societário, contábil e financeiro têm sido esquecidas tanto pelas sociedades empresárias quanto pelas Juntas Comerciais; os procedimentos para autenticação dos livros contábeis ou não dos empresários individuais, das sociedades, bem como dos livros dos agentes auxiliares do comércio têm sido substituídos pelo completo “laisse faire” às avessas, onde confundem o liberalismo econômico e político, unido à evolução do formato digital, com a ineficácia do sistema em realizar os controles e as auditorias diante do fim do livro de papel.
Dando o devido crédito ao Rodrigo Rocha, da Judice Capital, e um dos responsáveis pelo projeto de reestruturação empresarial da verdadeira, única e histórica Tribuna da Imprensa, e parafraseando um pensamento do mesmo, inspirado na IN-082, gostaria de sugerir um aprimoramento nas práticas de controle do livro de acionistas – especialmente em companhias de capital fechado e sociedades limitadas que venham a receber aportes de terceiros, com objetivo de se proporcionar maior proteção dos interesses e segurança jurídica destes acionistas/ cotistas e de investidores.
Temos que considerar que o desenvolvimento tecnológico permite e facilita o registro e o lançamento de atos e fatos das empresas de forma eletrônica, buscando obter maior segurança (muito embora o texto da Instrução Normativa use o verbo garantir, sempre tem uma falha técnica ou humana, uma queda de sistema, um erro de preenchimento do formulário on-line), a inviolabilidade e a autenticidade dos instrumentos submetidos à autenticação. Além disso, devemos, sempre que possível, simplificar, padronizar, modernizar e automatizar os procedimentos relativos à autenticação dos termos de abertura e de encerramento dos instrumentos de escrituração contábil, dos livros sociais e dos livros dos agentes auxiliares do comércio.
A migração dos livros societários em papel, no formato físico, para os livros societários digitais, obrigou que as Juntas Comerciais dos estados adotassem sistemas aptos a receber arquivos eletrônicos dos livros, além dos termos de abertura e de fechamento. Todavia não devemos pensar na IN DREI Nº 82 isoladamente. Ela deve ser analisada em conjunto com IN DREI Nº 79 de 2022, combinando questões de segurança jurídica de informações sensíveis e permitindo a possiblidade de uso de livros em branco. A IN 79/2022 permitiu que a própria administração empresarial pudesse controlar as versões dos livros societários, desde que houvesse uma declaração de que o livro estivesse passando por atualização, não sendo mais necessário que as companhias compartilhassem informações sensíveis, como livros de ata e de conselho com a Junta.
Urge ressaltar que, no caso dos livros em branco digitais, as empresas passam a poder registrar e autenticar os termos de abertura e de encerramento na Junta Comercial sem a necessidade de já ter averbado o livro. Deste modo, são disponibilizados arquivos separados de cada um dos termos, que deverão ser anexados aos atos societários registrados ulteriormente.
Mas qual é a lógica disso tudo? Parafraseando novamente a ideia do responsável pela reestruturação da Tribuna da Imprensa, a proposta parte da possibilidade, mediante previsão do Estatuto/Contrato Social ou de AGE de Acionistas específicas destas companhias para estes fins, de se proibir os arquivamentos de atos referentes às transferências acionárias ou às eleições de Diretores Estatutários, sem que haja prévia verificação automática das políticas determinadas na AGE sobre estes fins e checagem da presença dos titulares contidos no livro eletrônico de acionistas, devidamente registrados e vinculados na JUCERJA. Desta forma, busca-se maior responsabilidade pela escrituração dos livros, cujo dever de atualizar suas versões digitais é da administração da empresa; todavia, o dever maior de fiscalização para evitar e combater fraudes, situações suspeitas e promíscuas, além das influências externas (financeiras ou políticas), é das Juntas Comerciais.
Sobre a disciplina da IN DREI nº82, apenas a empresas LIMITADAS, com mais de 10 sócios, com conselho fiscal ativo que não realizam nomeação dos administradores por meio de alterações no contrato social têm a obrigação de migrar para o formato digital. De maneira diversa ocorre para as S.A., toda anônima que for criada a partir do início da vigência da Instrução Normativa já tem a obrigatoriedade de livros digitais desde o começo das suas atividades, ou seja, impacto imediato. Para aquelas S.A’s criadas antes da vigência da IN 82, os livros físicos já existentes poderão ser mantidos até o seu encerramento; todavia, cada novo livro aberto deverá ser autenticado em formato digital.
Mas por que todo esse desenvolvimento? Temos que olhar um novo horizonte, o de mercado de capitais, onde encontram-se os Fundos de Investimento em Participação, com as emissões de debêntures, bem como as Plataformas Eletrônicas de Investimentos Participativos, com destaque para a veterana BLOX e para a Vindima Crowdfunding que vem se estruturando para atuar no fomento de Arranjos Produtivos Locais protagonizados por pequenos e médios produtores rurais. Estas instituições estão sob as Diretrizes da Resolução da Comissão de Valores Mobiliários nº 88/2022, que substituiu a ICVM 588/2017. Lembrando que essas situações possuem cotas de participação e ações nominativas de sociedades, tendo gravames instituídos como garantias colaterais, que devem ser devidamente registradas, apesar das dificuldades de se controlar a entrada e saída de acionistas, bem como os votos, vetos e participações. Toda e qualquer modificação na estrutura de Controle da Sociedade deve ser devidamente registrada de forma a evitar insegurança jurídica, econômica e financeira dos fundos.
Há que se ressaltar a temática dos Acordos de Investimentos, que precisam preservar os cotistas de fundos, “family offices” ou de plataformas eletrônicas. Cabe uma pergunta deveras pertinente: Se, de uma hora para outra, os sócios de uma empresa que recebeu aportes, transferirem ou venderem o seu controle para terceiros sem a ciência de inúmeros investidores (muitos de pequeno porte), simplesmente porque as Juntas Comerciais não tenham está função de controlar estes casos?
A resposta está com a presente IN 82 e juntamente com demais normativas, nas quais, nestes casos específicos, a Junta Comercial poderá cobrar uma taxa de notificação de alterações contratuais ou realização de AGE/AGO de sociedades que tenham essa característica especial de estarem recebendo aportes de investimentos participativos. Este mecanismo, como sucessivas vezes aqui foi mencionado, promove segurança jurídica, societária e financeira.
E novamente cabe ressaltar que a função fiscalizadora é da Junta Comercial como se fosse uma trava em caso de tentativa de alteração por terceiros mal-intencionados. Atualmente, empresas como a própria Tribuna da Imprensa passam por processos de reestruturação do negócio, onde neste caso específico, os atuais administradores, de forma honrosa e esforçada, estão saneando os processos tributários, trabalhistas e previdenciários, ao mesmo tempo que enfrentam lutas homéricas contra terceiros audaciosos que criam mirabolantes malabarismos legislativos, violando as INs 79 e 82.
Para evitar situações como essas, o sistema de controle eletrônico do livro de acionistas precisa estar em funcionamento de forma eficaz, automática e segura, com a checagem imediata de acionistas majoritários que impediriam qualquer interferência, e se fosse possível também a análise dos membros da Diretoria Estatutária cruzada com eventos de óbito até o dia do registro do ato, e ainda, idealmente estes dados também vinculados ao sistema da Receita Federal.
Esses mecanismos permitem a segurança e a facilitação de novos investimentos, além da consolidação de melhores práticas de Governança que proporcionem o desenvolvimento das empresas, geração de empregos e o crescimento de nosso país. Por isso defendo a irrestrita aplicação das duas instruções normativas.
*Doutor Vitor Monteiro é advogado especializado em direito tributário e constitucional, formado pela UFRJ, com pós-graduação em relações internacionais pelo Curso Clio Internacional e em Comércio Exterior pela Fundação Aduaneiras. Atualmente faz mestrado em política e gestão estratégica na UFF.