Por Cláudio Fernandes
O nome é Clube de Regatas do Flamengo. As suas conquistas de maior repercussão na mídia acontecem no futebol. Mas quem ousar pensar que tudo se resume a isso não poderia estar mais enganado. Quem passa nas ruas Mário Ribeiro, Borges de Medeiros e cercanias certamente se impressiona com a imponência da sede do clube de maior torcida do Brasil.
Entretanto, mesmo os freqüentadores mais assíduos dificilmente fazem idéia do trabalho por trás das alamedas limpas, das instalações modernas e da estrutura disponível tanto para os atletas quanto para os sócios e visitantes.
Para entender como o clube se transformou em uma “cidade” bem administrada, a Tribuna da Imprensa conversou de maneira exclusiva com Getúlio Brasil, vice-presidente do Fla Gávea e com Luiz Paulo Segond, diretor da mesma pasta.
Antes disso, entretanto, revisitar a história de Getúlio Brasil com o Flamengo é, literalmente, reviver boa parte da história do clube. É imprescindível conhecer o homem que antecede ao cargo para entender toda a transformação
Confira abaixo
Getúlio Brasil e o Flamengo
Para começar tenho uma história boa. Antes de nascer eu já estava programado para ser Flamengo. Meu pai veio do Piauí e a minha mãe, do Recife. Tinha um baile na Praia do Flamengo 66, antiga sede. Uma domingueira, onde só se entrava de terno. Meu pai não tinha dinheiro, alugou um terno e foi. Lá conheceu a minha mãe. Nasceram cinco filhos, todos Flamengo.
Entrei no Flamengo pela primeira vez devia ter dois anos. Meu avô pegou o carrinho, saiu de casa, morava em Ipanema, veio resolver alguma coisa aqui e colocou atrás da baliza. Passou um fotógrafo, acho que do Globo, fez a foto e o jornal manchetou: “Bebê atrás do gol”.
Minha avó leu o jornal e brigou com ele, que, em sua defesa, disse: “Se a bola vai para o gol não pega nele”.
Após esse episódio, frequentei o clube ocasionalmente, até que um dia um amigo me chamou pra remar. Eu relutei, porque no remo se começa às 5h da manhã, mas fui. Fiquei lá remando, remando…
Um dia passou o Buck (técnico histórico do remo rubro-negro) e falou: “Garoto, quer remar mesmo? Vou te colocar em um barco para competir. Preencha esse formulário”. Comecei a competir e ganhar. Isso foi por volta de 1959, 1960”.
Da minha parte, eu não parei mais. Aliás, parei em 1977, quando nasceu o meu primeiro filho. Depois, em 1979, nasceu minha filha. Aí eu passei a freqüentar o clube para ir à piscina.
Outra história boa é a do Raul Bagattini (remador histórico e atualmente vice-presidente de Remo do clube).
Fomos buscá-lo na Polícia do Exército. O Buck tinha uma mania: andando pela praia, pela Lagoa, quando via alguém com ombro largo, batia nas costas e perguntava: “Quer remar no Flamengo?”
Um dia, em 1970, ele resolveu ir à PE buscar remadores. Chegamos lá e o coronel era Flamengo. Colocou a tropa em forma, mandou tirar a camisa e falou: “Escolhe”. Veio o Raul e mais uns oito ou nove.
O retorno ao clube
Um dia o Márcio Braga (ex-presidente) me telefonou e chamou pra ser vice de esporte amador. Ele estava brigado com o Luiz Augusto Veloso (ex-presidente).
Convocou a imprensa pra me receber. Me assustei quando vi que era pra mim, pelo fato de que fui o primeiro ex-atleta a assumir cargo de vice-presidente. Tomei posse. Passado um tempo me pediram pra apoiar o Paulo Dantas à presidência, mas o pessoal do esporte amador queria que eu fosse candidato. Eu não podia. Além dos filhos pequenos, trabalhava no Tribunal de Contas e em um laboratório. Acabei saindo.
Romário e o stand de tiro
Houve uma época em que havia um stand de tiro esportivo no clube. E isso deu uma confusão enorme, porque quando o (ex-presidente) Kleber Leite contratou o Romário, prometeu a ele uma quadra de futevôlei na Gávea. E a fez onde era o stand de tiro.
Eu era vice-presidente geral e de esporte amador. Quem usava o espaço eram militares, promotores, juízes. Caíram com tudo em cima de mim. Minha esposa é promotora de justiça, foi um barulho grande.
Novo retorno, agora com Rodolfo Landim
Retornei novamente nessa segunda eleição do Landim. Ele me ligou, perguntou se eu ia na posse. Eu disse que sim e ele falou que eu deveria ir mesmo, porque ele já havia me nomeado vice-presidente do Fla-Gávea. Aí vim pra cá em 2022.
Fizemos algumas coisas, mas é o que sempre digo. Ninguém faz nada sozinho. O Fla-Gávea tem um vice-presidente, mas funciona porque tem um diretor: Luiz Paulo Segond. Graças a ele e o pessoal muito bom que trabalha com ele, muita coisa foi feita aqui no clube. Demos sequencia a um trabalho que começou na gestão anterior, sob responsabilidade do Gustavo Fernandes.
Luiz Paulo, o executor
Na sala durante toda a entrevista, o diretor do Fla-Gávea, Luiz Paulo Segond está no clube desde o primeiro mandato de Rodolfo Landim.
Abaixo ele traça um panorama geral de como o clube estava e todo o processo de transformação
Encontramos um clube que estava parado no tempo. Não tinha manutenção. Tivemos primeiro prever o que iríamos querer nos próximos anos, o que aconteceria. Primeiro queríamos um restaurante. Para isso tem que ter energia elétrica. Tivemos que fazer esse exercício. Aí começamos a projetar uma subestação nova.
Antes a nossa energia vinha de uma rede que passava pelo Jardim Botânico, que é muito arborizado. Toda hora caia galho e faltava energia.
Fizemos um projeto aproveitando a rede que passa perto do estádio de remo. Ela é nova, foi feita para a Olimpíada de 2016. Convencemos a Light a mudar a nossa entrada de energia para lá. E fizemos uma subestação nova. Hoje recebemos energia aérea e subterrânea. Se uma sair tem um sistema automático que substitui. Isso só se consegue para hospital, mas conseguimos.
Então nós tivemos que prever a carga que iríamos precisar com quatro anos de antecedência. E começamos a fazer essa obra. Tínhamos cabo de energia com mais de 50 anos.
Aqui na Lagoa, por exemplo, enche muito. Então tivemos que distribuir o nosso esgoto por várias ruas. Tudo isso foi um serviço feito pro futuro.
Getúlio Brasil: “São obras que não aparecem. Hoje temos quatro restaurantes. Todo mundo acha tudo lindo. Mas são obras de estrutura”
Luiz Paulo Segond: “Hoje temos 13 pontos de alimentação dentro da Gávea. Restaurantes, quiosques. Fomos vendo o que o sócio queria. Hoje a gente tem orgulho de dizer que a Gávea é estabilizada nessa parte. Ainda temos coisas a fazer. Parte de esgoto. Mas não depende só de nós. O Leblon cresceu muito, ganhou muitos prédios e ninguém fez esgoto. Estamos pensando em fazer muito mais.
A transformação
O Flamengo era um clube meramente esportivo. Hoje é esportivo e social. Isso é muito importante. Hoje passam por dia em torno de 2500 pessoas pelo clube. É uma cidade. As nossas piscinas comportam 3 milhões e 800 mil litros de água. Seria simples se não precisassem ser todas aquecidas. Temos que ter as piscinas olímpicas a 27°C e a social a 29°C. Se você for andar debaixo dessa piscina, é uma cidade.
Getúlio: “É importante ressaltar que todo esse trabalho em equipe tem total apoio do presidente Landim. Deu liberdade para que tudo fosse feito”.
Segond: “Como ele é um homem técnico, ele tem uma visão técnica, da necessidade da manutenção para que isso tudo possa acontecer”.
Getúlio: “Ele vai às inaugurações. A piscina tinha uns banheiros muito antigos. Inauguramos os reformados e ele compareceu”.
Segond: Cerca de 70% das obras aqui são feitas pelo nosso pessoal interno. Gente que não era muito aproveitada. Construímos oficinas, marcenarias, etc. tudo aqui dentro. Com isso reduzimos muito o nosso custo.
Tem um livro chamado teoria da Janela Quebrada. Gerou a mudança de comportamento e a tolerância zero em Nova York. É o seguinte, se quebram uma janela em uma cidade e você não conserta logo, você estimula a quebrar outra. As pessoas vão achar que você não se importa. Então aqui hoje em dia qualquer coisa que aconteça é imediatamente reparado. É uma mudança social.
Você pode andar pelo clube todo e dificilmente verá um papel no chão. Temos equipes que ficam limpando. Clube limpo não é o que mais se limpa. É o que menos se suja. Durante esse período convencemos o sócio e o funcionário a participar dessa mudança.
Tudo isso é feito porque temos o apoio do Getúlio e do presidente Landim.
E tem mais. A arquibancada do campo está sendo reformada. Em uma área abandonada fizemos um parquinho aquático. Nos fins de semana circulam 500 crianças pelo parquinho. Ninguém vai à Disney todo ano para ver a mesma coisa. Então estamos sempre criando novidades. É uma mudança conceitual. Quero trazer de volta o associado e isso está acontecendo.
Há muitos sócios novos. Isso é maravilhoso. Pais estão trazendo os filhos e avôs, os netos.
Além do parquinho há o tênis, com banheiros novos, administração nova.
Agora estamos indo pro outro lado do clube. Vamos inaugurar a Boca Maldita. Vamos recuperar o Bar do Baiano. Obra começa semana que vem.
Antes de conseguir novos sócios, temos que aprender como não perder o que já temos. Isso acontece se vc apresentar uma qualidade de serviços. O sócio é o nosso cliente. Nosso chefe”.
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