Em entrevista à Tribuna da Impresa, a psicóloga Daiane Bocard orienta empregadores e funcionários a retornarem aos escritórios de forma menos danosa
O surto pandêmico da Covid-19 impôs uma série de mudanças que afetaram o ambiente de trabalho. A paralisação das atividades, em muitas empresas, no entanto, foi uma regra naquele momento. A retomada das atividades, ainda sob o medo da contaminação e da morte, levou o mundo corporativo a elaborar estratégias de trabalho, que culminaram no home office e no modelo híbrido (conjugação entre virtual e presencial).
A tendência atual das corporações, no entanto, é a determinação de que todos os trabalhadores retomem as suas atividades presenciais. Google, J.P. Morgan, Disney e, recentemente, a Amazon, já decidiram por esse caminho.
Da mesma forma que o confinamento gerou reações diversas e adversas, a retomada da rotina de trabalho integralmente presencial tem desagradado a muitos trabalhadores. E as reclamações são não apenas por conta de questões logísticas (transporte), ou de custos. O aspecto psicológico tem contado para a resistência à volta aos escritórios, que impõe uma pressão maior gerada pelo convívio com os colegas e as exigências de chefes e patrões.
Para entender como tais mudanças afetaram ou afetam a saúde mental dos trabalhadores, a Tribuna da Imprensa conversou com a psicóloga Daiane Bocard, doutoranda em psicologia social, com foco em orientação profissional.
Tribuna da Imprensa: A pandemia e o estado de emergência sanitária no Brasil forçaram a paralisação de vários setores da economia, fazendo com que trabalhadores abandonassem abruptamente suas atividades. Como isso impactou a saúde mental tanto dos funcionários quanto dos empregadores?
Daiane Bocard: A pandemia, apesar de ter terminado, deixou sequelas emocionais e sociais nem sempre tão perceptíveis. O cenário global do trabalho mudou, com novas áreas surgindo, e com a automação e a digitalização ganhando força em muitos setores produtivos. Todas as transformações exigiram dos profissionais e trabalhadores o aprendizado de novos conhecimentos e o desenvolvimento de novas habilidades. Nem todos receberam suporte e capacitação para a sua integração à nova realidade. Os trabalhadores que não conseguiram se adaptar, acabaram sendo excluídos do mercado. Assim, registramos um aumento dos sintomas de ansiedade e burnout, pois no sistema híbrido de trabalho nem sempre os limites de horário e carga de trabalho são respeitados.
Tribuna: Nem todas as atividades profissionais permitiram que seus colaboradores adotassem o confinamento. Como é possível avaliar o nível de estresse desses trabalhadores e de que forma isso ainda pode afetar a sua saúde mental?
D.B.: O nível de estresse pode ser percebido por um processo de avaliação psicológica com especialistas. Uma pessoa que passa por alto nível de estresse pode manifestar sintomas e sequelas, como descontrole da ansiedade, desenvolvimento da síndrome de Burnout, desregulação do sono, problemas de memória e dificuldade de concentração – porta de entrada para depressão. O stress pode ser percebido ainda em comprometimentos físicos revelados por desequilíbrio alimentar, hipertensão arterial, diabetes, doenças cardíacas, baixa imunidade e desequilíbrio hormonal, entre outros fatores que afetam a vida e o desempenho profissional.
Tribuna: O home office foi uma das medidas adotadas por vários setores durante a pandemia, impondo uma dinâmica solitária e novas formas de cobrança. Como esse contexto afetou a saúde mental dos trabalhadores?
D:B.: O home office gerou nos trabalhadores, pelo menos nos que puderam adotar essa modalidade de trabalho, uma diminuição das habilidades sociais. O fenômeno resultou em falta de paciência e tolerância com os pares, além de dificuldade de administrar conflitos e impor limites, com graves prejuízos na comunicação.
Tribuna: Grandes empresas, como Google e Amazon, determinaram aos seus funcionários em teletrabalho que voltassem aos escritórios. A medida, no entanto, não foi bem recebida por eles. Como o retorno ao trabalho presencial deve ser conduzido para minimizar o estresse e a resistência?
D.B.: Talvez, o retorno integral ao formato presencial não seja mais possível para todos os setores, uma vez que o fenômeno pandêmico pode ter gerado mudanças estruturais na própria cadeia produtiva das empresas. Esse retorno deve ser avaliado setor por setor. A imposição da volta aos escritórios cinco dias por semana, por exemplo, pode não ser a melhor alternativa. O retorno progressivo, passando por uma fase híbrida e negociada com os trabalhadores, pode representar uma medida menos agressiva e mais produtiva para funcionários e empresas.
Tribuna: Após a pandemia, muitos trabalhadores sentiram alívio por poderem voltar à vida pública. Contudo, a cobrança pelos resultados pré-crise sanitária tem aumentado. Como o excesso de cobrança pode afetar a saúde mental no ambiente de trabalho?
D.B.: Nenhum excesso é saudável. Os empregadores precisam estabelecer metas reais e alcançáveis para seus colaboradores. Os objetivos devem estar alinhados à realidade do cenário social e econômico do Brasil. Quanto aos mecanismos motivacionais, os empregadores devem priorizar o sistema de recompensas e não a punição, para que os funcionários tenham uma boa saúde mental ao invés de adoecerem e terem a sua produtividade reduzida.
Tribuna: Como os profissionais podem lidar com o esgotamento mental e prevenir a síndrome de burnout?
D.B.: Para lidar com o esgotamento mental e prevenir a síndrome de burnout é essencial adotar práticas que promovam o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Elaborar estratégias para gerenciar o estresse, definir e respeitar um horário de trabalho razoável, além de realizar tarefas de forma planejada e organizada por etapas, também ajudam a prevenir a sobrecarga mental e emocional. Na esfera pessoal, fazer psicoterapia, ter momentos de lazer e hobbies, praticar exercícios físicos, dormir bem e ter uma boa alimentação são fatores que também ajudam a manter o equilíbrio. Já os viciados em trabalho precisam aprender a lidar com o acesso frequente a computadores e celulares, em casa ou no trabalho.
Tribuna: Por fim, em um cenário laboral globalizado e complexo, como os empregadores podem cuidar da própria saúde mental e apoiar seus funcionários nesse sentido?
D.B.: As realidades das empresas são muito variadas e complexas, mas os próprios empregadores podem buscar o auxílio de profissionais qualificados para cuidarem de si. Tal ajuda pode prepará-los para o enfrentamento de cenários competitivos e, por vezes, adversos. Além disso, eles podem assegurar um ambiente mais saudável nas suas empresas. A Lei nº 14.831/2024, sancionada em março de 2024, estabelece as normas para que as empresas que promovem a saúde mental e o bem-estar dos seus trabalhadores recebam do governo federal o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental. A premiação é um incentivo à promoção de melhores práticas de produção no ecossistema do trabalho.