Por Claudio Fernandes
É praticamente impossível não notar a presença de Guilherme Kroll por onde quer que ele passe. Seja pela altura, pelo porte físico ou pelo tom de voz, o vice-presidente de esportes olímpicos do Flamengo chama a atenção. Tudo isso talvez reflita o tamanho da paixão com que ele fala sobre o seu trabalho. É notório, de forma imediata, que o dirigente ama o que faz. Certamente por servir ao clube que ele mesmo diz ser sua ‘religião”. E, neste caso, o termo “servir” não poderia ser mais apropriado. Novamente em suas palavras, Kroll diz ser um “apaixonado” pelo Flamengo. Admite até que esse amor machuca a si mesmo, porque é demonstrado através do perfeccionismo com que exerce o cargo desde 2020.
Em entrevista exclusiva à Tribuna da Imprensa, Kroll deixou claro ser um seguidor dos mais vorazes do lema “raça, amor e paixão” de que tanto a torcida, em todos os esportes, se orgulha. Além de detalhar dados e conquistas do seu período à frente da pasta, enalteceu a gestão do atual presidente, Rodolfo Landim, de quem assumidamente é fã.
Confira abaixo os principais trechos
Guilherme Kroll por Guilherme Kroll
É um cara que vive esporte, respira esporte desde a barriga da mãe. Sou a pessoa mais visceral, mais exagerada que conheço e, evidentemente, extremamente apaixonada. E que dizem que tem o objetivo de ter um ISSO 9000 no caixão. Porque é impressionante como eu não admito falhas, não admito erros, a não ser os normais do processo e não admito ver o Flamengo fraco. O Flamengo se tornou, desde os meus 17 anos, em 1977, a minha religião. E sempre quis ver o clube como vejo hoje.
Meu cargo não é remunerado. Estou com a vida resolvida e, por uma decisão de foro íntimo meu, resolvi me dedicar 24 horas por dia ao Flamengo, com o conhecimento e a bagagem que trouxe de uma vida inteira sempre muito próximo do que há de melhor do esporte.
Fui muito bem sucedido aqui nos anos 1980. Fui técnico muito vencedor, estou na calçada do Flamengo como talvez o técnico com mais títulos na história do Flamengo. Fiz o clube ser bicampeão brasileiro juvenil em uma época que São Paulo detinha o monopólio. Isso era algo surreal, inviável. Isso me galgou à Seleção Brasileira. Dirigi a seleção brasileira de base por quatro anos e acabei indo pro mercado de São Paulo por 10 anos e no triângulo mineiro por cinco.
No futebol ajudei o Macaé a chegar na série B do Brasileiro. Um clube que era semiprofissional. Tudo isso me deu uma quilometragem para dirigir o esporte olímpico do Flamengo.
A dor do perfeccionismo
Há muita, mas felizmente temos um conhecimento profundo do processo esportivo, coisa que a maioria hoje não tem. O esporte enquanto ciência, enquanto pesquisa, ele definhou, por motivos que se eu me aprofundar vou viajar aqui. Mas sei que o esporte perdeu os grandes dirigentes históricos. Foram falecendo e não houve reposição.
É óbvio que o esporte tem que ter os engenheiros, tem que ter as suas planilhas, é dependente do marketing, da captação de recursos. Mas o fundamental, o insubstituível no esporte são os esportistas. Ter gente que saiba interpretar o esporte, que saiba cobrar, que saiba tirar o todo de uma zona de conforto, porque se o esporte ficar gerido só pelos engenheiros, nós vamos vivenciar uma zona de conforto proibitiva dentro das quadras, piscinas e dojôs.
Gestão Landim
A atual gestão do Flamengo conseguiu interpretar o verdadeiro tamanho da instituição. Transformar o tamanho do Flamengo em financiamento. Então o clube hoje não é invencível porque no esporte isso não existe. Sabemos que é infinitamente mais fácil ser campeão do que ser bicampeão e assim por diante. A partir do momento em que você vai se transformando em alvo, em referência, os outros vão copiando e estudando você, fica mais difícil repetir o sucesso esportivo. Mas na gestão Landim o Flamengo entrou como um dos favoritos em todas as competições que disputou. Sempre montamos equipes para sermos campeões. Não temos saudade do tempo em que o Flamengo comemorava empate fora de casa. Hoje a gente entra pra vencer qualquer jogo em qualquer lugar contra qualquer adversário.
Por tudo isso, deveria estar no dicionário ao lado da palavra qualidade. Qualidade administrativa e qualidade financeira. E o resto é decorrência disso. Tendo governança, compliance, o sucesso é inevitável. A torcida pode ficar tranquila que enquanto tiver esse modelo de gestão aqui no clube o Flamengo vai frequentar os lugares mais altos dos pódios por onde passar.
Como encontrou o clube nesta passagem
Entrei um ano depois do início da gestão Landim. Encontrei o clube muito bem estruturado administrativa e financeiramente, mas ainda carente de fazer potencializar o seu DNA rubro-negro. Então esse perfil de atitude que cobramos dos nossos atletas, eu não via isso com frequência nas modalidades olímpicas. Era monoesportivo. Se sentia avaliado, no esporte olímpico, apenas pelo basquete. Então se fosse bem, estava tudo bem, se não, estava tudo errado. Isso nós transformamos.
Hoje temos dois vetores. O interno, que é a Escola de Esportes, onde temos mais de 3200 alunos todos satisfeitos, fazendo aula, com uma quantidade mínima de reclamações, gerando um faturamento interessante pro orçamento dos esportes olímpicos e para o Fla Gávea.
E o vetor externo, que é o ranking do Comitê Brasileiro de Clubes, que baliza o financiamento das verbas governamentais. Esse ranking é o somatório da base e das competições principais de todas as modalidades. Então o Flamengo passou a entender que o mirim, o infantil, o juvenil não eram gastos, eram investimento. E o clube, que nunca navegou por esse ranking porque tinha um esporte só, hoje é uma potência poliesportiva, virando campeão brasileiro em todas as modalidades que disputa. Lideramos o ranking e fazemos jus ao maior investimento possível dentro das verbas que o governo tem para investir no esporte.
O que ainda há a ser feito
Apesar de nós termos um financiamento extremamente robusto, seria um pecado reclamar dele, temos consciência de que podemos muito mais. Então temos que brigar pelo crescimento em nível de financiamento, comunicação. Temos que ser mais expostos. O esporte olímpico tem que ser mais compreendido e valorizado pela Nação Rubro-Negra e levado para fora dos muros da Gavea.
Aqui dentro temos uma capacidade para 900 atletas, e temos 1000. Então nós já estamos estrangulados. Somos um clube físico, com muros, então hoje não podemos pensar em crescimento de modalidade. Temos o CUIDAR, que é a nossa cereja do bolo, um centro científico de atendimento ao atleta de alto rendimento, que se tiver atletas a mais, não consegue dar vazão.
Sendo assim, nos balizamos pela tradição. Os esportes com mais quantidade de laureados, os que tem mais história dentro do clube. É claro que a marca do Flamengo pode avançar sim, mas teria que fazê-lo fora dos muros da Gávea. Com polos, escolas externas, franquias. Tudo isso está projetado e caminhando.
Sempre há mais a fazer. No dia que desaparecer esse frio no estômago, aí eu largo. Fomos bicampeões mundiais de basquete e estamos desesperados para ser tri. O vôlei feminino, com o Mago Bernardinho, está maduro pra ser campeão brasileiro e por aí vai. O desafio não para. O desafio é sempre a base para o próximo desafio.
Temos uma ginástica artística que não só é a melhor do Brasil como é uma das melhores do mundo. Fomos para o Torneio Internacional Juvenil do Porto e mostramos lá, com todos os países da Europa presentes, as melhores ginastas do planeta. O nado artístico nosso brilha demais, o judô também.
O organograma do esporte olímpico
Agradeço pela oportunidade de falar sobre isso. É importante as pessoas entenderem. Às vezes o basquete perde e aparece lá o “Fora Kroll”. Não sei se isso é exatamente justo, porque temos uma estrutura do presidente, dos vice presidentes, diretor executivo, que cuida de todas as modalidades na parte da engenharia, administrativa, orçamentária e depois temos gerência, com diretores executivos em cada modalidade.
Então na verdade quem define plantel, elenco, quem renova, quem sai é toda uma equipe de profissionais do clube. O Flamengo não funciona na canetada de ninguém. Não há decisão monocrática. As diretorias das modalidades têm imensa autonomia. Só vamos intervir em casos extremos.
Número de escolinhas e modalidades
Temos todas as modalidades competitivas. Subdivido tudo. Basquete masculino é uma coisa, feminino é outra, assim como no vôlei e nas demais modalidades. São estruturas administrativas independentes. Então navegamos aí em torno de 18 modalidades. Sendo que nas escolinhas isso aumenta, porque há hidroginástica, futebol de campo, futsal, tênis. Várias modalidades que não temos competitivas no esporte olímpico, mas temos a iniciação.
Temos em torno de 1000 atletas e 3200 alunos nas escolinhas. Acredito que m torno de 300 a 500 funcionários diretos. Estrutura de uma cidade do interior. As responsabilidades não diferem muito de um prefeito de uma cidade média do interior.
O Flamengo nas competições internacionais
Nos Jogos Pan Americanos foi de outro mundo porque o basquete compromete na ordem de 50% do nosso orçamento. Como fomos para o Pan, foram cinco atletas na seleção brasileira, técnico, assistente técnico, preparador físico. O nosso argentino foi medalha de outro e titular da seleção.
Na última olimpíada ficamos no alto, no topo, na frente de muitos países por conta da Rebecca Andrade, da Rafaela Silva, do Isaquias Queiroz. Então vai tudo muito bem obrigado.
Análise da Gestão Guilherme
Fico muito à vontade para dizer que não existe Gestão Guilherme. O clube é presidencialista e, por consequência, vice-presidencialista, porque o presidente não pode cuidar de tudo e delega. Mas sei que qualquer decisão tem q passar pela caneta do presidente. Não tenho caneta, quem tem é ele. Ele me delega autoridade, mas sob o crivo dele, sob a filosofia dele e a estrutura que ele colocou. Todo o sucesso vem do modelo de gestão que ele implantou.
Da minha parte, o meu papel é motivar pessoas. Tirá-las de sua zona de conforto. Estou sempre desafiando. Quem está aqui nunca trabalhou com tanto ardor e energia como hoje. Estou o tempo todo espetando cobrando, administrando.
Me considerava um gestor de pessoas, hoje me considero um gestor de almas. A minha formação passa por educação física, jornalismo, psicologia e marketing. Somando essas graduações e fora as graduações e mestrados, acredito que especializei em ser humano. Estou o tempo inteiro fazendo todos entenderem que o lucro vem do investimento. Saber investir não é jogar dinheiro fora. O esporte olímpico vai por esse caminho.
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