Por Vítor Monteiro*
Em 2023, Brasil e Argentina celebram 200 anos de relações diplomáticas, relações estas iniciadas ainda no Período Monárquico de Dom Pedro I, com um Brasil recém independente, ainda em processo de Guerra com Portugal e em conflitos internos com a então Província Rebelde da Banda Oriental, a atual República Oriental do Uruguai, que também lutava pela sua independência, porém em relação ao Império Brasileiro. A Argentina, em busca da sua hegemonia na América do Sul, apoiou o Uruguai no seu processo contra o Brasil.
Porém vamos explicar esses fatos: em 25 de junho de 1823, as Províncias Unidas do Rio da Prata, hoje Argentina, foram o primeiro Estado a reconhecer a Independência do Brasil diante de Portugal, além de ter reconhecido a Monarquia como Forma de Governo, a única no Continente. Cabendo ressaltar que os Estados Unidos foram o segundo a reconhecer a nossa independência. Contudo, o reconhecimento dos “Hermanos Argentinos” não foi tão simples, veio com um pedido um tanto excepcional ao nosso Patriarca da Independência, o Venerável Mestre Chanceler José Bonifácio de Andrada e Silva: “O governo de Buenos Aires celebrava com a mais plena satisfação a Independência do Brasil” … “queria tratar definitivamente da evacuação da Faixa Oriental”, hoje Uruguai.
O então Primeiro-Ministro da Argentina, Bernardino Rivadavia, fez uma espécie de ameaça, pois considerava a permanência de luso-brasileiros na Banda Oriental como uma invasão ao território argentino, que tinha conquistado sua independência em 1816 e que fora reconhecido por Portugal em 1821 (o primeiro Estado Europeu a reconhecer). Podemos conjecturar que a carta argentina ao Brasil foi uma espécie de vingança para se aproveitar da suposta fraqueza de outro Estado recém-independente que estava pagando os custos da guerra.
Oficialmente, as relações diplomáticas Brasil-Argentina começaram em 5 de agosto de 1823, mas já começaram conturbadas, uma vez que o emissário de Buenos Aires reiterou o pedido de retirada das tropas “estrangeiras” de seu território na Banda Oriental (Uruguai). Vamos voltar às origens dessa briga territorial: Em 1715 Portugal e Espanha celebram o Tratado de Utrecht. Por esse acordo, os espanhóis reconheceram a colônia de Sacramento, que ficava nas proximidades da cidade de Buenos Aires. Tal acordo acabou gerando a insatisfação dos castelhanos, que fundaram a colônia de Montevidéu no ano de 1726. Onze anos depois, visando garantir o controle da região sul, os portugueses fundaram a colônia do Rio Grande.
O Tratado de Madri, de 1750, reivindicava a adoção do princípio de “uti possidetis” (ou seja, posse útil da terra) para que as fronteiras portuguesas e espanholas fossem finalmente definidas. Por meio dessa nova medida, os limites de fronteira nas regiões do Mato Grosso e Amazônia foram garantidos. Além disso, esse mesmo acordo propôs a entrega da colônia de Sacramento (Uruguai) aos espanhóis em troca da região dos Sete Povos das Missões.
A promoção desse acordo acabou fomentando o desenvolvimento das chamadas “Guerras Guaraníticas” (1753 – 1756), em que padres jesuítas Espanhóis da região de Sete Povos se recusaram a serem transferidos para outras terras ou a se submeterem ao domínio português. Com esse conflito, observamos que o Tratado de Madri teve de ser anulado até a formulação de outro acordo capaz de resolver os problemas da região sul. Foi então que, em 1777, o Tratado de Idelfonso foi assinado entre Portugal e Espanha. Por esse novo acordo, os portugueses teriam sua autoridade nas regiões do Rio Grande e Santa Catarina asseguradas. Em contrapartida, os espanhóis ficariam definitivamente com as colônias de Sacramento (Uruguai) e a região de Sete Povos das Missões. Apesar da nova determinação, os portugueses acabaram se mantendo no controle das regiões jesuíticas do sul. Desse modo, o Tratado de Badajoz, de 1801, acabou oficializando o domínio português nos Sete Povos das Missões; e posteriormente da Colônia de Sacramento.
Diante do acima exposto, a Banda Oriental trocou de mãos e de bandeiras diversas vezes, o que fomentou a vontade Argentina diante da nova Monarquia Sul-Americana. A Margem Direita do Rio da Prata, uma vez que a Argentina fica à margem esquerda, tinha uma grande importância estratégica e portuária para Dom Pedro I, uma vez que não poderia permitir que os “Hermanos” detivessem pleno controle da Foz do Rio da Prata, o que prejudicaria a navegação nos Rios Uruguai e Paraná que serviam para escoamento das Províncias do Mato Grosso e São Paulo (que englobava o estado do Paraná que só virou autônomo em 1853). Então, em 1825, a Argentina cortou relações diplomáticas com o Império e declarou guerra, que durou até 1828, consolidando a Independência do Uruguai, um Estado-Tampão ou, na expressão diplomática, “um pedaço de algodão entre duas taças de cristal que não poderiam encostar-se para não quebrar”.
As animosidades entre Brasil e Argentina permaneceram ao longo de todo século XIX e século XX, com os dois países querendo interferir no Uruguai, seja apoiando os partidos políticos Colorado e Blanco, seja fazendo exercícios militares na fronteira ou até mesmo colocando encouraçados brasileiros atracados nos portos de Montevidéu, passando pela neutralidade estratégica argentina durante a Segunda Guerra Mundial (enquanto o Brasil, que inicialmente mantinha a “Equidistância Pragmática” apoiou os Aliados contra os Regimes Totalitários Nazifascistas). Até a construção da Hidrelétrica de Itaipu foi motivo para brigas, uma vez que Buenos Aires alegou que a construção da represa era para eventual inundação da Argentina caso houvesse uma explosão provocada pelo governo brasileiro.
Somente em 1985 é que os ânimos começaram a se acalmar, com o retorno das democracias em ambos os países após longos anos de regime militar que secretamente buscaram desenvolver programas nucleares, incluindo a construção das usinas termonucleares em Angra dos Reis. Nesse novo contexto, as bases de uma futura Aliança Estratégica começariam a ser estabelecidas. Em 1991, os primeiros segredos de tecnologia nuclear foram apresentados e foi criada a Agência Brasil-Argentina de Contabilidade e de Controle de Materiais Nucleares (ABACC), aumentando a política de confiança mútua e passando de um parâmetro sem mais ter como retornar.
O processo de formação do Mercosul foi um passo importante para essa caminhada de aproximação. Vários projetos bilaterais foram instituídos, incluindo a livre circulação de pessoas e de bens entre esses dois países, bastando tão somente a identidade da pessoa física para comprovar que é cidadão de qualquer dos dois países. Existe uma sinergia nas economias entre os dois países passando pela exportação de trigo, montadoras de carros, eletrodomésticos e interação energética.
Hodiernamente, o Brasil continua sendo o maior mercado para a Argentina, embora esta seja o terceiro maior parceiro comercial Brasileiro, atrás da China e dos Estados Unidos. Brasileiros vão estudas medicina nas faculdades argentinas, argentinos vêm passar suas férias no Brasil, sendo Búzios provavelmente a cidade mais argentina fora do país. Aí, cabe relembrar a promessa que eu fiz no texto sobre a Cúpula dos BRICS (https://tribuna.com.br/geopolitica/efeitos-da-15a-reuniao-dos-brics/), onde o Brasil convidou a Argentina para ser membro desse importante bloco econômico e estratégico.
*Doutor Vitor Monteiro é advogado especializado em direito tributário e constitucional, formado pela UFRJ, com pós-graduação em relações internacionais pelo Curso Clio Internacional e em Comércio Exterior pela Fundação Aduaneiras. Atualmente faz mestrado em política e gestão estratégica na UFF.