quarta-feira, 29 nov, 2023

BRASIL

35 anos da Constituição da República Federativa do Brasil

Constituição
Arquivo/Agência Brasil

*Por Vítor Monteiro

 

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

É assim que consta no Preâmbulo (parte inicial antes dos dispositivos normativos) presente na nossa Carta Maior de 1988. Comparada às constituições anteriores, a Constituição da República Federativa do Brasil é considerada a Carta Cidadã, devido às inovações garantistas às necessidades sociais (educação, trabalho, salário justo, saúde, entre outros) após 21 (vinte um) anos de regime de exceção. Cabe mencionar a ampla participação social no processo de edição da nova Carta Magna. Foram 122 emendas populares apresentadas no processo legislativo constitucional, que reuniram mais de 12 milhões de assinaturas.

Mas o que seria uma Constituição Cidadã? Cidadania é uma palavra muito usada, presente na vida dos brasileiros, natos ou naturalizados, mas pouco compreendida em sua definição plena. Tomando um conceito mais restrito, ela estaria relacionada especificamente a deveres e direitos políticos, como votar e ser votado. Em seu sentido mais amplo e moderno, contudo, a cidadania passa a representar toda a gama de direitos do indivíduo perante o Estado, e a capacidade de cada pessoa de exercê-los e defendê-los: é, no fundo, o direito a ter direitos.

Direito à vida, à liberdade, à igualdade perante a lei; ter direitos civis e também poder participar da sociedade, ou seja, votar e ser votado; logo ter direitos políticos. Para ser um cidadão pleno é preciso somar os três conjuntos de direitos: civis, políticos e sociais.

Não basta apenas conhecer os direitos, se não os exercer adequadamente, sem saber as origens ou quais serão as evoluções dos possíveis desdobramentos à medida que a sociedade se desenvolve. É preciso que, além da previsão normativa, esses direitos sejam protegidos e que o indivíduo, no processo de transformação para cidadão, possa usufruí-los sem qualquer tipo de restrição.

Pela primeira vez a dignidade da pessoa humana é alçada à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo em que se utiliza, de modo pioneiro entre as constituições nacionais, a terminologia dos direitos fundamentais. Já no seu processo de revisão e atualização (por meio das emendas constitucionais), novos direitos passam a ser assegurados, como moradia, alimentação, razoável duração do processo e proteção de dados. Adicionalmente, a partir do fortalecimento, pela CF/88, do Poder Judiciário e da garantia de amplo acesso à Justiça, vê-se um aumento da participação dos tribunais nos quais a jurisprudência brasileira foi responsável pela confirmação de vários outros direitos.

A Constituição de 1988 permitiu que a cidadania também fosse influenciada pela incorporação de tratados internacionais de direitos humanos. Entre eles, destacam-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência, o Tratado de Marraquexe para o acesso de deficientes visuais a obras publicadas e a Convenção Interamericana contra toda forma de discriminação e intolerância – os três últimos aprovados pelo Congresso Nacional com status de emenda constitucional. Todos são protegidos perante a lei e, em alguns casos, com normativas especiais devido às suas condições primordiais: Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto da Pessoa Idosa, Estatuto da Igualdade da Racial e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

A Constituição estabelece ainda diretrizes legislativas e competências administrativas, como tributação, segurança pública, prestação de serviços à sociedade, concursos públicos, proteção do meio ambiente entre outros assuntos que serão preenchidos tematicamente por leis infraconstitucionais e serão executados pela administração pública como mecanismos de bem-estar da população como um todo.

Neste sentido, o que eu quero dizer, é que nem todos os direitos, deveres e garantias estarão previstos em uma única constituição, assim dizendo em seu sentido amplo; é preciso que sejam promovidas incorporações para além das emendas constitucionais (que não sanariam as omissões e imprecisões). Assim sendo, se um direito, garantia ou um dever não existe de forma expressa na Constituição, caberá à legislação infraconstitucional e aos tribunais o saneamento das omissões.

Caro leitor, se você perguntar para a pessoa ao seu lado o que é ter cidadania ou ser cidadão, ela provavelmente vai dizer que é viver com dignidade e com igualdade, sem nenhuma diferenciação. Sabemos que todos são iguais perante a lei, tal como prescreve a igualdade formal, mas se realmente quisermos fazer que essa igualdade seja acompanhada de dignidade, é preciso que seja: todos são iguais perante a lei, mas tratando os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, respeitadas as suas respectivas diferenças, conforme suas necessidades primordiais. Inicialmente, pode até soar estranho, mas façamos o seguinte exercício mental: é direito de todos e dever do Estado promover o acesso à educação, mas pessoas portadoras de deficiência visual ou auditiva vão precisar de uma educação diferenciada até mesmo para poderem ser compreendidas.

No próximo dia 5 de outubro de 2023, celebraremos 35 anos da Constituição Federal de 1988. Este simples texto foi uma singela homenagem à Carta Magna que guia nossa República Presidencialista e os seus Três poderes harmônicos. Inegáveis avanços aconteceram para que a democracia fosse consolidada. O equilíbrio entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário foi instituído no intuito de afastar temores de tempos de outrora. Não foi minha pretensão esgotar o assunto, uma vez que a própria Constituição possui 250 artigos e mais de 120 emendas constitucionais, além do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

 

*Doutor Vitor Monteiro é advogado especializado em direito tributário e constitucional, formado pela UFRJ, com pós-graduação em relações internacionais pelo Curso Clio Internacional e em Comércio Exterior pela Fundação Aduaneiras. Atualmente faz mestrado em política e gestão estratégica na UFF.

 

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