*Por Cristiane Siqueira
O óleo de fritura residual é um componente comum em nossas cozinhas, desempenhando um papel importante na preparação de alimentos. Entretanto, se descartado de forma incorreta, é responsável por desencadear impactos adversos, culminando na contaminação dos recursos hídricos e, consequentemente, na fauna e flora aquáticas, ao mesmo tempo em que gera danos significativos às infraestruturas de encanamento.
O resíduo costuma ser despejado em ralos de pia. Assim, torna-se imprescindível a promulgação de legislações que regulamentem a gestão sustentável do óleo de cozinha, visando mitigar tais efeitos prejudiciais. A Lei 12.305 de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, não contempla o óleo de cozinha.
Em 2017 tramitou no Senado o Projeto de Lei 75 de 2017, cuja ementa solicitava a alterar a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para incluir óleos e gorduras de uso culinário como produtos do sistema de logística reversa, mas não obteve continuidade. O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA no 362, de 23 de junho de 2005, no uso de sua competência adota medidas no que se refere ao descarte de óleo lubrificante e, em seu artigo 12º estabelece proibições de forma genérica.
Art. 12º- Ficam proibidos quaisquer descartes de óleos usados ou contaminados em solos, subsolos, nas águas interiores e, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e nos sistemas de esgoto ou evacuação de águas residuais. No entanto não se refere especificamente ao óleo de cozinha. Sendo assim, até o presente momento o que se apresenta são legislações estaduais, ou seja, medidas de orientação para coleta e reciclagem de óleos vegetal e animal de uso culinário e seus resíduos com o intuito de minimizar os impactos ambientais que o descarte inadequado pode causar.
Em 17 de setembro de 2021 foi sancionada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro a Lei 9408 dispondo sobre a criação do Programa de Reaproveitamento de Óleos Vegetais do Estado do Rio de Janeiro – PROVE. Dentre as várias diretrizes, destacam-se no artigo 2:
I – a preservação ambiental – coleta direta dos resíduos na sua fonte, doméstica, comercial e industrial, evitando o lançamento inadequado no sistema público e a contaminação hídrica;
II – a educação ambiental – conscientização da sociedade através de campanhas e
ações demonstrando a importância do tratamento adequado para reciclagem dos
resíduos, haja vista o seu grande potencial poluidor;
IV – o desenvolvimento de cadeia produtiva que possibilite agregar valor ao sistema
de coleta e reaproveitamento de óleos vegetais de modo a estimular a circulação da
riqueza no território fluminense.
Em 17 de abril de 2023 foi sancionada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro em exercício, Thiago Pampolha, a Lei 9994/2023, regulamentando a destinação dos resíduos decorrentes do óleo de cozinha pelo comércio (supermercados e hipermercados), de modo que pouco se avançou até o presente momento quanto ao descarte do óleo de cozinha doméstico.
No município de Vassouras, Interior do Estado do RJ, o Programa de Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos Urbanos é regulamentado pela Lei Municipal n° 2.881, de 03 de abril de 2017. Essa legislação estabelece as bases e diretrizes para a implantação e operação do programa, responsável por regulamentar o processo de separação e destinação dos resíduos, visando promover a redução, reutilização e reciclagem dos materiais descartados. A coleta seletiva também abrange a coleta de óleo usado. Essa prática inclui a separação e recolhimento específico do óleo de cozinha utilizado nas residências e estabelecimentos comerciais. O objetivo é evitar que esse óleo seja descartado de forma inadequada, o que poderia causar danos ao meio ambiente, como a contaminação do solo e dos corpos d’água.
Doutora Cristiane Siqueira
De acordo com o Consórcio Intermunicipal de Gestão de Resíduos Sólidos do Vale do Café e da empresa Óleo Local, que realiza a coleta do óleo média, são recolhidos aproximadamente 900 litros de óleo/mês no Município. Uma parte desse óleo coletado é destinado à Universidade na qual sou professora. E a partir deste óleo realizamos juntamente com os alunos do curso de Engenharia Química a produção do biodiesel. Mensalmente enviamos o biodiesel produzido para a Prefeitura, que utiliza o mesmo no caminhão de coleta seletiva da cidade. A colaboração entre instituições de ensino e Prefeituras é muito importante para a concepção e execução de projetos de Extensão
Universitária, proporcionando aos estudantes a oportunidade de praticar todo o aprendizado em conjunto com os órgãos governamentais. Essa parceria fortalece os laços entre as Universidades e o poder público, facilitando a implementação de projetos sustentáveis que têm um impacto positivo na comunidade.
Projeto Biovassouras
O projeto Biovassouras é resultado da parceria entre a Univassouras e a Prefeitura de Vassouras, por meio da Secretaria do Ambiente, Agricultura e Desenvolvimento Rural. O projeto Biovassouras não apenas contribui para a conscientização ambiental, mas também busca promover a preservação do meio ambiente e a adoção de práticas sustentáveis. A produção do biodiesel é realizada pelos alunos do curso de Engenharia Química da Univassouras, sob a supervisão dos professores e técnicos do Laboratório. O processo ocorre em uma planta semi piloto com capacidade para produção de aproximadamente 30L/dia de biodiesel.
O projeto conta com o apoio da Cesbra, empresa localizada na região Centro Sul Fluminense, que monitora a qualidade do biodiesel produzido para que o mesmo se enquadre dentro dos requisitos estabelecidos pela Resolução Nº 920, de 4 de Abril de 2023 da Agência Nacional do Petróleo. O biodiesel a partir do óleo residual é produzido através do processo de transesterificação. Por meio desse processo, os triglicerídeos presentes nos óleos e gordura animal reagem com um álcool primário, gerando dois produtos: o éster e a glicerina. O primeiro somente pode ser comercializado como biodiesel, após passar por processos de purificação para adequação à especificação da qualidade, sendo destinado principalmente à aplicação em motores de ignição por compressão do ciclo diesel. 12% do biodiesel produzido é misturado ao diesel convencional.

Essa porcentagem foi aprovada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e representa um avanço significativo na adoção de fontes de energia mais sustentáveis. Uma consequência do crescimento da produção de biodiesel é o aumento da oferta do glicerol, o seu principal subproduto, excedendo a demanda proveniente de suas aplicações tradicionais. Portanto, a conversão em produtos de maior valor agregado se apresenta como grande
potencial para o seu reaproveitamento.
Na Universidade de Vassouras, estamos estudando o reaproveitamento da glicerina da produção do biodiesel na construção civil, na produção de pisos de concreto mais sustentáveis. Essa abordagem está alinhada com o
princípio da economia circular, promovendo soluções sustentáveis na indústria e na infraestrutura.
Ao compreender o ciclo de produção do biodiesel a partir do óleo residual e presenciar sua aplicação direta nos veículos da coleta seletiva, as pessoas são incentivadas a repensar seus hábitos de consumo e descarte, adotando práticas mais sustentáveis em seu dia a dia. Essa conscientização é essencial para promover uma mudança de comportamento e construir uma sociedade mais consciente e comprometida com a preservação ambiental.
Desta forma, fomentamos a sustentabilidade e o desenvolvimento ambiental na região com aplicação prática e
inovadora dos subprodutos resultantes da produção de biodiesel. Além disso, também são realizadas ações nas escolas da região com o objetivo de conscientizar e sensibilizar os alunos sobre o biodiesel, envolvem abordagens lúdicas e práticas, otimizando o aprendizado e facilitando a compreensão dos conceitos relacionados ao biodiesel e à
sustentabilidade.
Ao envolver os alunos desde cedo com o tema do biodiesel e a importância da sustentabilidade, essas ações contribuem para a formação de cidadãos conscientes e engajados, preparados para enfrentar os desafios ambientais e sociais do futuro.
Essa abordagem integrada, que combina ações práticas, educação ambiental e parcerias com o poder público, fortalecem os esforços em direção a um desenvolvimento sustentável em consonância com as metas globais da Agenda 2030.
*Cristiane de Souza Siqueira Pereira é Doutora em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos pela Escola
de Química da UFRJ. Mestre em Engenharia Química pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e graduação em Química Industrial pela Universidade de Vassouras. Coodenadora do Mestrado Profissional em
Ciências Ambientais e do Curso de Engenharia Química da Univassouras. Diretora de Restauração Ambiental do Comitê Guandu.
Contato: cristiane.pereira@univassouras.edu.br
http://lattes.cnpq.br/8723281922978435
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